terça-feira, 21 de outubro de 2014

Carta ao ex namorado

Então você disse pela segunda vez que não entende como não vi que nossa relação já tinha terminado há tanto tempo.

E depois me deu mole. Fantasiou transas temperadas a hemp e álcool. Bem como fazíamos.

A gente se encontrou por acaso no aplicativo de pegação depois que você chegou do Canadá. Foi a primeira vez que nos falamos no Brasil desde aquela conversa que precedeu a viagem e o término por Whatsapp. Eu era agora uma foto de tronco peludo. Você a de um peito com o volume do pau aparecendo embaixo da bermuda azul. Você me disse que, quanto mais forte fosse enrabado, mais duro seu pau ficava. Gostou das fotos de pau que lhe mandei fingindo que não sabia que era você. Disse que gostava de caras mais baixos que você. Falei onde eu morava e você deve ter ali suspeitado, pois minha rua não é residencial e você sabia da minha nova condição residência-empresa. Perguntou se era a exata empresa onde trabalho. Sugeriu vir me dar e depois sumiu.

Confrontei você no Facebook. E foi então que disse pela segunda vez que não entendia como eu não tinha visto antes que nossa relação já tinha terminado há muito tempo. Agora isso não me sai da cabeça.

E eu lembro de que há muito tempo você fugia das estocadas fortes que eu dava ao te enrabar. Dizia que não era nada comigo, mas já está no aplicativo de pegação procurando outra pirocada de alguém mais baixo que você.

E eu lembro do seu desinteresse pelos meus problemas nos últimos meses e do quanto você me consumia com as suas queixas da vida, mesmo eu pedindo para você parar.

E eu lembro de que você me avisou que viajaria ao Canadá. Que passaria três semanas lá. E que a mim nada de suas férias seria dedicado.

E eu lembro de que você passou pela porta da minha nova condição de residência-empresa bem no dia da minha mudança. E não desceu do ônibus porque "estava virado". E não dormiu, como disse que faria, e  mais tarde me avisou que iria malhar, mesmo sem dormir, e iria ver o João. Se desse, iria ver meu apê novo. O João não quis te ver e você veio. E não tem nada que você me diga que me tire esse descaso. Nada. Não sei porque você toda hora se defende dizendo que reservou o seu aniversário para a minha mudança, se nem te vi no seu aniversário. Se falei que queria te fuder uma última vez na casinha, no seu aniversário, e depois você me disse que "bateu mal" eu dizer isso e você não quis ir.

E aí, sim, eu vejo que você tinha saído da relação há muito tempo. Não era ela que tinha acabado. Pois para mim ela estava tão viva... Eu contava tanto com você na minha vida. Só que você saiu dela sem me avisar e ainda agora me diz que "a relação tinha acabado", sendo que isso é só um eufemismo para uma verdade que você deve ter vergonha de admitir.

Eu não sei o que fez você se afastar de mim. Ou falar constantemente mal de Jacarepaguá justamente para mim, como se a culpa fosse minha. Ou viver falando em ir pro Canadá, mesmo namorando comigo. Só sei que foi muito indelicado. E eu vejo que você fazia isso ainda com seu irmão. Justamente as pessoas que estão/estavam mais perto de você eram as indiretamente agredidas com a possibilidade de te perder.

Paradoxalmente, gostei de te encontrar no aplicativo de pegação disposto a fuder sem necessidade de tratamento psicológico ou médico. E gostei que você me deu mole. Acho que fiquei livre.

Eu tô há semanas tentando entender o que aconteceu e você só diz "Acabou. Tentamos e tá tudo bem". Acho que quem devia entender era você. Mas aí isso é problema seu e eu só dou conta de resolver os meus.

O que vou fazer é entender como é que eu posso ter ficado tanto tempo com uma pessoa que nitidamente me deixou (e não numa relação que acabou: é tão diferente isso), sem querer encarar a realidade.

Então é isso. Não tem raiva, nem mágoa. Acho que entendi pra seguir em frente.

Eu gosto muito de você. E posso ser seu amigo.

Mas não se deixe cair em tesão momentâneo, porque você não vai curtir a minha reação.

Por mim, nossa relação agora está acabada. Finalmente, consegui terminar com ela.

Podemos ser amigos.

Com amor,

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

A boneca bailarina

Dava corda, ela girava
A boneca bailarina
Graciosa impressionava
Tutu rosa, roupa fina

Ela ficava de lado
Minha irmã a esquecia
Só pensava em namorado
A boneca ela nem via

Minha mãe me vigiava
Com a boneca bailarina
Muito séria ela falava
Brincadeira de menina

Eu pedia pra brincar
Implorando por segredo
Minha irmã ia pensar
Depois disse dando medo

Você vai poder levar
A boneca bailarina
Se o bilhete entregar
Ao menino na surdina

Pela rua fui andando
Com a boneca bailarina
Bilhetinho carregando
Alegria era divina

Pra quê serve isso?

Pra quê serve isso?
Perguntou papai
Segurando firme
A pureza cai

Pra quê serve isso?
Olhava-me duro
A mão apertando
Meu corpo imaturo

Pra quê serve isso?
Cerveja na pia
O que me faz homem
A mão comprimia

O susto e o medo
Não foram maiores
Que a indignação

O susto e o medo
Não foram maiores
Do que a invasão

O susto e o medo
Não foram maiores
Que a raiva da mão

Encarei papai
Inocência cai
Fazendo-me duro
No corpo imaturo
Que agora doía
Onde comprimia

Pois isto que tenho
Preso em sua mão
Pois isto que tenho
Lugar da invasão
Pois isto que tenho:
Indignação
Pois isto que tenho
Resposta dou já
Pois isto que tenho
Serve pra mijar

Cantiga de homem e mulher

Se você falar
Também vai sofrer
Se é bom para mim
É bom pra você

Bem cedo ela veio
Para me mostrar
As coisas da vida
Do lado de lá
Tudo era segredo
Parecia errado
Tinha muito medo
Ficava calado

Se você falar
Também vai sofrer
Se é bom para mim
É bom pra você

E assim fui crescer
A sempre esperar
Quando ela viesse
Para me mostrar
As coisas que homem
Faz com a mulher
Os medos não somem
Só porque ela quer

Se você falar
Também vai sofrer
Se é bom para mim
É bom pra você

Medo do inferno
Medo do pecado
Contei à mamãe
De olho fechado
Decidi sofrer
Ela do meu lado

Se você falar
Também vai sofrer
Se é bom para mim
É bom pra você

Mamãe nos olhava
Sem nada entender
Vocês são meninos
Não podem crescer
Vocês são irmãos
Não podem brincar
De homem e mulher
Deixa isso pra lá

Se você falar
Ninguém vai te ver
É bom para mim
Também pra você

terça-feira, 26 de março de 2013

O quarto de tio Juca

O quarto de tio Juca
era um parque de diversões
sapatos de mulher
vestidos de bailarinas
revistas de homens pelados
dentro de mulheres
que nojo do mijo branco
que saía do piru deles
e ficava nelas

Ninguém entrava no quarto de tio Juca
às vezes achava que nem mesmo ele
tio Juca também não entrava na casa de vovó Iaiá
só na janela fumando e sorrindo
e a família na sala
todos limpinhos de banho tomado
vovó Iaiá quieta
a TV ligada

O parque de tio Juca ficava
separado da casa de vovó Iaiá
quando voltávamos da praia
não podíamos usar o banheiro de azulejo
porque ia sujar de areia da praia
mandavam-nos para o banheiro de tio Juca
lá podia sujar
lá podia criança brincar

E no quarto de tio Juca
a gente brincava
com os sapatos de mulher
com os vestidos de bailarina
e a gente lia
as revistas de homens pelados
dentro de mulheres
e dizia junto
Que nojo do mijo branco
que sai deles
e fica nelas
 
No quarto de tio Juca
naquela vez fui brincar sozinho
mexia nas roupas e falava sozinho
fazia vozes de homens sozinho
fazia vozes de mulheres sozinho
era os homens e as mulheres sozinho
conversando sozinho

Mas no quarto de tio Juca não estava sozinho
papai e mamãe entraram fazendo Buuu sorrindo
papai e mamãe me questionaram sorrindo
papai e mamãe disseram Pode falar sorrindo
papai e mamãe me levaram assustado

Para longe do quarto de tio Juca assustado
a TV ligada assustada
num quarto da casa de vovó Iaiá quieta assustada
a família na sala assustada
todos limpinhos de banho tomado assustados
tio Juca fumando na janela assustado
papai balançou meu braço assustado
mamãe perguntou Você é mulher assustada
papai disse Você é homem assustado
e levei uma pancada gritando

Pensei no quarto de tio Juca gritando
as conversas sozinho gritando
dos homens e das mulheres gritando
eu era os homens e as mulheres gritando
Você é homem gritando
Você quer ser mulher gritando
eu disse Não gemendo

Nunca mais voltei ao quarto de tio Juca gemendo
Não bate no menino gemendo
disse vovó Iaiá gemendo
papai e mamãe gemendo
me deixaram no chão gemendo
até hoje lembro gemendo
do quarto de tio Juca sozinho