quarta-feira, 21 de junho de 2006

Trabalho de semeadura

Às vezes tenho a sensação de que, quando converso com as pessoas sobre as minhas práticas no trabalho, elas geralmente ficam assustadas... Certas decisões meio "malucas" que tomo com os alunos e por aí vai.

Todo ano aparece uma "turma do mal"... A gente sempre se assusta e se choca com as coisas de que a tal galerinha é capaz de fazer. Engraçado, não? Já era para ser esperado que fosse assim, mas a gente ainda se surpreende. Será que não é porque os professores formam um grupo diferenciado de pessoas que ainda têm muita esperança no que está por vir? Pode ser. Aí é que está a chave, acho... Explico.

Como não pôde deixar de ser, houve uma turma assim na escola do Recreio. Meu susto foi enorme certo dia, quando somente uns três alunos haviam feito a tarefa de casa de maneira completa. Lembrei-me de uma entrevista de emprego que fiz no início do ano. Nela, a coordenadora disse algo do tipo:

Nem adianta passar tarefas de casa, pois eles não fazem mesmo. Exercícios, somente em aula.

Como me recuso a concordar com isso e como acho que no dia em que eu abrir mão de algo tão básico quanto a tarefa de casa porque "eles não fazem mesmo" levo à frente aquele antigo plano de ser comissário de bordo, não quis seguir em frente com a entrevista. Por isso, enquanto via os cadernos e, enquanto percebia que não haveria jeito de dar aula e tirar dúvidas de um exercício que quase ninguém fez, calmamente fiquei matutando um jeito de dar um susto naqueles vadios. E veio a coisa mais básica do mundo. Um esporro clássico e eficaz:

Não vou perder meu tempo corrigindo com a turma inteira um exercício que somente 5 fizeram. Pois bem: os que fizeram me esperem no corredor, pois somente vocês terão direito a tirar suas dúvidas. O resto permanecerá em sala fazendo a tarefa de aula normalmente e ficará, durante o recreio, fazendo o que deveriam ter feito em casa. Vejam bem que foram esgotados todos os meus limites de paciência, por isso eu não admito de vocês UM PIO SEQUER enquanto eu estiver corrigindo com os que fizeram. E, a partir de hoje, quem quer que deixar de fazer a tarefa de casa, ficará sem recreio cumprindo com seu dever. Em alguma hora na vida de vocês, as obrigações deverão ser realizadas. Se for na hora do descanso e da diversão, aí não cabe mais a mim escolher.

É claro que fiz um monte de caras e bocas de muito malvado. E é claro que mantenho a minha palavra até hoje.

Pois agora eu tenho entre 3 e 5 alunos que não fazem a tarefa de casa. E os renitentes que conseguem seu recreio de volta, ficam felizes da vida. E conquistei com a turma a fama de "professor que não deixa eles fazerem o que querem".

É nessas horas que eu esqueço o cheque especial e sinto que vou mudar o mundo. Está aí a razão de a esperança ser o mote da profissão. A esperança e a consciência de que é trabalho de semeadura. Os resultados da colheita talvez nunca serão devidamente conhecidos. E não venham me dizer que pego pesado, que assusto as criancinhas, que quero mais do que elas podem me oferecer. Estou no ramo de educação. Ninguém vai morrer por ficar de castigo, por ser cobrado por suas responsabilidades. Esse é o meu trabalho e, quando vejo o susto das pessoas, cada vez mais percebo que escolher essa carreira é coisa de herói ou de maluco, pois todos falam que é muito importante, mas parece que ninguém tem noção da dimensão que a coisa realmente tem.

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