quinta-feira, 27 de maio de 2010

Outro dia a Fernanda veio aqui me buscar para algum lugar enquanto eu ouvia Ventura. Fazia mais de ano que não ouvia. Ela chegou justamente na hora em que tocava "De onde vem a calma?". É uma espécie de hino para quando estou me sentindo muito solitário, saca?

"Olha esse sorriso tão indeciso
Esta se exibindo pra solidão"

Eu me imagino realmente me exibindo pra solidão.

Me dá uma vontade de chorar...

Finalmente o preconceito que ela tinha contra Los Hermanos passou no mesmo instante. O chato é que carregou meu CD e nem dá sinal de devolver.

Eu ando chorando bastante com músicas.

No momento estou ouvindo "Mais tarde" novamente, do disco solo do Camelo. Olha só o que ele diz:

"acho normal ver a vida feito faz o mar num grão de areia"

Tô com essa comparação na cabeça o dia inteiro.

"é de se entregar a sorte e todo mundo vai saber em ver
que o vai e vem pode ser eterno
pra ver quem manda
acho que não vai dar tô cansado demais
vou ver a vida a pé
acho normal tá no mundo feito faz o mar num grão de areia"

Que bonito isso. Não sai da cabeça.

De repente me deu uma saudade louca de Copacabana à noite. Queria estar lá do jeito que vivo agora: sozinho.
Fazia muito tempo que não tinha um domingo de paz. Leia-se por domingo de paz aquele em que eu basicamente fique em casa olhando o dia passar sendo seguido por toda a parte pelos cachorros.

Há dois domingos, aconteceu o dia das mães e fui ver a minha, obviamente. No da semana passada, uma grande amiga fez festa de aniversário que rendeu o final da manhã e a tarde inteira. Esse último era véspera do meu aniversário e a Fernanda resolveu chamar as pessoas para uma reuniãozinha aqui em casa.

Confesso que nos últimos dias andava triste da vida. Não via razão para comemorações. Sinto saudades da ingenuidade de alguns anos. A beleza das primeiras idades é a crença de que faremos tudo certo. Mesmo que tudo esteja errado. Entrar numa faculdade de Humanas ou Letras é desenvolver utopias de mundos perfeitos. Eu particularmente achava que dava conta: usar cinto de segurança, não fumar, ter uma boa relação com álcool e drogas, amar de maneira equilibrada, sempre usar camisinha, ser um cidadão que faz diferença no mundo, engordar jamais.

Pelo menos para mim, os trinta e dois anos são de desilusões.

Ok, esse blog deve sempre parecer deprê. Não é, porra. Não estou deprimido. Não vivo triste.

É uma sensação estranha ver que descumpri todas as regras que estabeleci para mim em algum momento.

Não dei conta de tudo.

E cá estou, como todo mundo, vivendo todos os dias tentando chegar lá: sabe-se lá Deus onde.

Do que quero dar conta agora? Da casa própria, sonho-da-classe-média que não sai da minha cabeça? De alguma relação perfeitinha e equilibrada? Adotar alguma criança?

Se tem alguma coisa boa em construir utopias é a esperança que se cria de que hoje será um dia bom, então acordo, cuido dos bichos, ando com eles e vou trabalhar. E trabalhar cansa, enche o saco, mas é tão bom sempre! Depois volto para a casinha, cuido dos cães, eles ficam perto enquanto faço qualquer coisa muito tola até dormir.

E percebo a coisa boa que é ter uma rotina.

Ah, nem sei se reclamo mais da falta dos domingos de paz, porque isso significa que estou em família, ou comemorando o aniversário de amigos queridos, ou que estou comemorando o meu próprio aniversário (sim, parece que vale a pena) com amigos queridos, família e cães por perto.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Mijo, urina, xixi: desespero

A marcação de território estava acabando comigo. Só que tem um cachorro mijão sabe do desgaste emocional pelo qual eu passava.

O quintal é de terra e, depois das chuvas que ficaram um bom tempo pela cidade, Miró resolveu fazer todas as necessidades na varanda. Os outros cães trazem areia indo de lá pra cá. Conclusão: lama de mijo e merda.

...

A faxineira só vem uma vez por semana.

...

Acreditamos que Miró tem o estranho e terrível hábito de se sentir bem com o odor de seu xixi. Ele mijou na sua caminha, na do Eugênio e na da Olívia. Ao lavar tanta coisa na máquina, um estofado se rompeu, entupindo os dutos na hora da centrifugação. Morri de vergonha quando o cara veio ajeitar o estrago.

A tragédia pior era dentro de casa. Já pensou passar pano quatro vezes com muito detergente em uma poça de mijo e o cheiro simplesmente não passar?

Chamei um excelente cirurgião indicado pela irmã da Fernanda, veterinária dos meus cães. Decidi que não havia jeito: mesmo velhinho, Miró teria suas bolas cortadas. Fui desaconselhado a fazer isso: provavelmente, meu cão não mudaria de comportamento agora nessa idade.

Tive uns dez segundos de desespero seguidos por um momento de resignação: eu passaria o resto da vida de Miró limpando seu mijo fétido. No entanto, o veterinário veio com uma solução inusitada:

- Já pensou em usar fralda de bebê nele? Lá na clínica fazemos assim para lidar com cães internados.

- Mas e como ele vai fazer cocô?

- Você não está entendendo. Prenda a fralda no entorno da barriga, escondendo o pinto e pronto!

Fui imediatamente comprar a tal fralda de bebê. Fora alguns acidentes, o recurso tem funcionado e minha vida está melhor.

Hoje vi Miró fazendo todo o movimento de quem está mijando na cama do Eugênio e na quina da porta da cozinha. Nenhuma gota respingando pela casa.

Sentimento de paz no coração.

Algumas pessoas ficam chocadas e penalizadas por Miró estar passando por essa humilhação. Gostaria de deixar meu belíssimo cão dois dias na casa delas sem usar fraldas. Gente cretina.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Hiato?

Tenho certeza de que estou vivendo um hiato afetivo. Já passei por isso antes. Acho que quando comecei a escrever por aqui. Naquela época isso me angustiava deveras. Devia ser porque fazia anos que não namorava.

Faz pouco tempo que me separei. Talvez por isso me sinta tão bem atualmente. A solidão é mais satisfação do que dor.

Na verdade, não posso dizer que há dor.

Não há dor.

O estranho é que dá saudade de ter alguém, mas não o suficiente para de fato tentar ter alguém novamente.

E vivo os dias assim.

Relaxado.

Gordinho.

Excêntrico.

Cheio de cães.

Sozinho.

Será realmente hiato o que vivo ou cheguei ao fim da história?

Por favor, não me entenda mal. Não é depressão ou melancolia. Se este for o final da história, gosto dele.

A sensação de coisa finda deve ser pelos meus 32 anos. Sei que são poucos, mas parecem muitos. De repente, o tempo vai deixando mais claro que passa.

Não! contradigo-me: espero que isso seja de fato um hiato. E que a história continue... Bateu um medo de repente.

Miró

Miró foi negligenciado a vida inteira.

Reza a lenda que ele arrancava com os dentes o piso de seus primeiros donos. Em dois anos, desistiram dele.

Miró sempre ficou em família.

O irmão da primeira dona deixou ele ficar em sua casa. Havia um quintal gigantesco. Ele não incomodaria.

Reza a lenda que ele era o brinquedo favorito de um enorme pitbull hoje morto. As cicatrizes nas enormes orelhas de cocker spaniel parecem comprovar a história.

Só era solto à noite. Quando dia, ficava preso em um canil quente. Bebia água da piscina.

Miró é de linhagem nobre.

É filho de Dalí e irmão de Rodin.

A dona de Dalí, sobrinha do dono da casa com quintal gigantesco, sempre quis tirar Miró de sua dura vida, mas temia pelo equilíbrio do grande mestre surrealista, que era idoso e cheio de manias.

Recentemente Dalí morreu tragicamente. Até hoje não superamos a dolorosa perda. Depois da doença do carrapato e do câncer diagnosticados, ninguém imaginava que ele cairia de um terrceiro andar.

...

A dona de Dalí, 14 anos depois, achou que finalmente era hora de recuperar Miró. Levou-o para casa, depois de uma minusciosa análise veterinária:

Dez anos de otite não tratada.

Dermatite crônica.

Pulgas.

Carrapatos.

Surdez.

Naquele gigantesco quintal onde não incomodava, Miró viveu na solidão. Não aprendeu hábitos de higiene e desenvolveu o terrível hábito de compulsivamente marcar território.

Duas poltronas e um pufe foram jogados fora. Até hoje, se aparece algum cão perto do sofá, o instinto lhe diz para sobrepor o território marcado por Miró.

A dona de Dalí arranjou-lhe um belo sítio, onde ficaria seguro e vivo. Comprometeu-se em arcar com todas as despesas de Miró, bem como com seus muitos tratamentos.

Ele desapareceu do sítio no mesmo dia.

Ninguém viu o cocker spaniel champanhe pelas bandas do Anil.

A dona de Dalí me alugou sua graciosa casa-com-quintal do Pechincha. Chegou a me perguntar, antes de mandá-lo para o sítio, se gostaria de ficar com Miró, mas neguei: três cães já seria loucura. Mas, angustiado com o desaparecimento do cão, prometi ficar com ele, caso encontrado.

Ele foi encontrado no dia seguinte à minha promessa.

Está agora dormindo tranquilamente deitado de barriga para baixo perto dos meus pés. Na verdade, sempre está perto dos meus pés quando estou em casa.

A orelha não coça mais.

A dermatite está melhor.

Não há pulgas ou carrapatos em seu corpo.

Ele aprendeu com os outros dois a perceber quando chego em casa e sempre me faz festa, mesmo surdo.

Tenho certeza de que o melhor momento de seu dia é quando pego a coleira para passearmos: os quatro.

Fica revoltado se fecho a porta de casa, deixando-o com os outros na varanda quando me arrumo para trabalhar.

A compulsão por marcar o território continua. Acho que aprendi a conviver com isso.

Fico pensando sobre Miró e os outros...

Eugênio mudou a minha vida.

Olívia é a criatura por quem mais tenho carinho no mundo.

Miró...

Não sei elaborar sobre Miró.

Só sentir.