terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Todas das terças venho pegando carona com uma professora lá da Escola. Ela dá aulas no Humaitá e mora em Laranjeiras. Facilita muito chegar à PUC tão cedo e ainda não ter que pegar o quentão do 755.

Daí hoje fiquei andando pelo Humaitá e meu humor deu uma leve melhorada.

Mas foi rápido. Eu não moro mais na ZS. Eu não posso. Não tenho condições.

Trabalho naquele inferno para não ter condições.

Antes era ilusão, mas eu me vingava. Escapava. Agora estou imerso na merda.

Ficar adulto é assim: entender que é uma merda e não se matar para não ir para o inferno.

A tristeza que me dá é um déjàvu da minha infância. Aquela coisa desesperançosa quanto ao futuro que eu sentia, aqueles anos todos de infelicidade.

Eu não gosto da minha vida.

Eu não vejo jeito de mudá-la.

Eu queria alguma coisa para me salvar.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Às vezes me bate uma solidão que deprime porque acho que sei que não tem quem a resolva. Descobrir isso foi o grande salto. Algumas vezes pensei que ela passaria com O Grande Amor e fazia aquele monte de loucuras que hoje me custam tão caro. Porém hoje vejo que ela já estava comigo na infância, quando eu me sentia tão deslocado em qualquer lugar: casa, escola, condomínio, catequese, rua: o mal estar da minha existência sempre comigo.

Às vezes esqueço dela quando faço sexo. O desvario dos corpos, a violência consentida do prazer que dura pouco. Em outros momentos, a companhia dos  animais é mais eficaz: tenho quase a sensação de Deus. Acho que se houver, deve ser assim. Com amigos ela desaparece quase por completo, mas sei que ainda está lá.

Bom mesmo é quando entro na literatura por que lá a solidão é valor. Então comecei a pensar que talvez a solidão que não sai de mim deva ser também valor. Tenho que aprender a viver com ela. Talvez eu seja feliz assim e fique rindo do mundo, que me deixa tão só. Ou ria de mim, que me excluo do mundo. Vai saber.

Aceitar a solidão deve ser a sensação de quem sai de um hospital depois da internação. Rever o dia, a cidade. Sentir-se dono do próprio corpo, agora saudável.

Mas agora ela só dói mesmo.

domingo, 18 de novembro de 2012

Há pouco mais de um mês comecei a sofrer por antecipação por conta de uma possível-quase-certa decepção com o trabalho. Desde então, minha vida parou e se transformou numa espiral de desesperança-autopiedade-e-destruição: comendo feito louco, gastando mais do que devia, parei de malhar... Não consigo deixar de achar que tudo é uma droga e que não gosto do jeito que ando vivendo.

Queria estar mais bonito, mais cuidado, menos velho. Gostaria de ter mais esperança no amor, na possibilidade de um. Adoraria ter o meu salário para usar, comprar minhas roupas, passear por aí. Como seria feliz se estivesse perto da praia, de gente de cabeça aberta, de viados.

Mas não é assim. Não tenho dinheiro, moro perto-longe da praia (o que é mais tortura), não vejo viados no meu dia-a-dia na rua, trabalho num lugar homofóbico. Estou tão cansado!

Acho que o que me deixa mais triste é pensar que talvez o resto da minha vida seja assim. Tem que ser assim. É a vida que dá pra ter.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

A gente usa levianamente esta expressão, mas juro que não ajo assim quando acho que estou "ficando deprimido". Quando penso no futuro, quase nada me anima. Sei lá. De uns tempos para cá, o peso dos anos tem ficado mais e mais claro: tenho me achado velho. A barba muito grisalha, a careca cada vez maior, a quantidade grande de pelos brancos no peito... Daí fico pensando na vida que ando levando e nas projeções que vejo possíveis para daqui a alguns anos e me dá um desânimo tão grande... Parece que vai ser sempre assim.

Hoje pensei, por exemplo, no verão e nas férias que se aproximam. Provavelmente vou ficar mais uma vez trancado em casa por falta de grana ou de disposição de sair daqui e levar 1h30min para estar em qualquer praia. Carro? Nem pensar.

Eu olho para o meu trabalho e também fico para baixo. Sei lá: 4 anos dedicando tanto para não ter o valor que eu esperava reconhecido... Muita tristeza.

Ando me achando feio, largado. Engordei uns quilos, estou todo redondo. Não me dá vontade de malhar. Sinto como se não valesse a pena.

Desisti de entrar no Doutorado. Pura falta de tempo, além de muito cansaço.

Sinto como se nada valesse muito a pena. Talvez os cães, os amigos próximos, mas nada para mim. Nada  meu.

Ando me sentindo muito só, mas é uma solidão que não sei bem como explicar. Não é como se eu estivesse sozinho no mundo, nada disso. É como se eu não estivesse mais comigo.

Sinto falta de mim.

domingo, 7 de outubro de 2012

Acho que eu só vivo mesmo atualmente porque eu tenho bichos para cuidar. Talvez porque eu também esteja estudando (precariamente, pois meu trabalho que não me valoriza me consome).

Estou muito de saco cheio de tudo. Odeio quase tudo o que me circunda.

Acho que está na hora do meu plano b e começar a me organizar para ir embora para o Canadá.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Durante a semana, quando a gente já estava mal de grana, eu e o Paulo tínhamos um plano de economia: só comeríamos em casa. Eu acordava cedo, às vezes a gente fodia. Sozinho, tomava um café que eu mesmo preparava, passeava com o cão, ia ao Recreio dar seis tempos, voltava a Copa, corria ao apê, entrava, lavava as mãos e a gente sentava à mesa. Ele sem cueca e com aquela bermuda velha que adorava usar, peito de fora. Eu esbaforido, com roupa de trabalho (alguma camisa de botão, jeans e tênis). A gente se dava um estalinho rápido, começava a comer e conversar qualquer coisa enquanto eu pensava "meu Deus, adoro cada mancha de vitiligo, vou mandar eles escreverem um parágrafo argumentativo, não consegui corrigir uma redação sequer, vão cobrar". Mesmo quando era só frango grelhado, batata gratinada com sal grosso, arroz e rúcula, ele fazia ser especial. Alguma erva que transformava o almoço num banquete. Eu terminava a refeição, escovava os dentes, lavava um pouco o rosto e ia correndo para o metrô para não chegar atrasado no Flamengo. No intervalinho da aula da tarde, enquanto comia o bolo de cenoura da cantina com o café delicioso que as irmãs deixavam todos os dias na sala dos professores, ele me ligava pra saber como eu tava, pra me falar alguma coisa de trabalho que poderia ser, mas que provavelmente não rolaria e eu pensava "ai, ainda tenho que pegar o trem na Central pra Realengo, o trem, mesmo sem ar-condicionado, está melhor que o metrô, que às cinco fica lotado de um jeito inimaginável" e lá pelas 23h eu chegava em casa e ele estava ainda lá, sentado de frente para a tela do computador. Eu tinha a sensação de que ele  nunca saía de lá. Quando vinha falar comigo, os olhos estavam vermelhos. Hoje acho que ele fumava perto da minha chegada para ficar menos nervoso e poder conviver com alguém além da própria frustração.

Quando lembro desses dias, quase penso que eu deveria atender seus apelos e ir vê-lo em SP, como ele me pede. Ou recebê-lo, quando vem ao Rio, mas daí naturalmente volta a memória de que, assim como havia a rotina gostosa, todas as sextas à noite, quando eu estava esgotado de tanto trabalhar e louco de vontade de só tomar um banho e ficar curtindo a companhia no sofá, ele começava a preparar vodca com Redbull e ligar para aqueles amigos fins de linha que dividiam com mais dois um quitinete e que não perdiam de forma alguma as baladas de todos os dias do fim de semana. Eu dizia "Não vai, fica comigo. Tô cansado, querendo ficar junto" e ele dizia "Eu preciso espairecer, eu te amo, mas vou ter que ir. Fica bem. Um beijo! Vem comigo? Você que sabe, hein!"

Ele diz que mudou, que o conheci na pior fase de sua vida, que ele não era bem ele, que já me pediu perdão, que não sou ninguém para julgá-lo, que eu guardo muita raiva no coração e que isso faz mal, que eu devia buscar tratamento, que ele não esquece a nossa foda, que estou proibindo-o de ver o próprio cão e que isso é muita maldade, que...

Nunca penso em revê-lo novamente. Morro de medo disso. Morro de medo de mim.

domingo, 29 de julho de 2012

Eu me sinto preso. Tudo é difícil. É como se tivesse voltado a morar em Realengo. Praia? Não. Dar um rolé? Não. Supermercado no caminho? Não. É longe, ir a qualquer lugar é um custo, difícil. Eu fico angustiado só de pensar em sair.

A vida consiste em ficar em casa e sempre tem tanta coisa pra fazer... A maioria chata. Muitos consertos caros, essas coisas.

Os meus amigos só andam de carro e só saem para restaurantes. Casa-carrofechado-restaurante-carrofechado-casa.

Normalmente nas férias a minha frustração piora porque eu não tenho dinheiro nem disposição para sair todos os dias daqui. Então a vida fica melhor quando estou trabalhando porque pelo menos eu realmente TENHO que sair.

As minhas férias, quando eu estava na ZS, consistiam em ir à praia todos os dias, em andar de bicicleta, em ir ao mercado na volta, em encontrar os amigos na rua pra não fazer nada além de ficar na rua, em fletar na rua, em ter uma rotina feliz.

A minha psico me relembra: "Você tinha que dividir apê e era ruim".

A minha amiga uma vez me disse: "Talvez o erro tenha sido você morar lá. Viveu algo que não poderia, ficou mal acostumado."

Eu quero a ZS. Não tem nada a ver com status. Mas a maturidade consiste, pelo menos em parte, em saber até se pode ir. Eu não posso morar na ZS: não posso bancar. O que eu posso bancar é essa vidinha chata e sem graça. É essa sensação de que meus dias são um porre, uma coisa muito chata e que eu nunca vou sair disso.

E eu não vou sair, né? Então é isso, eu descubro que felicidade é um lance que eu não tenho nem nunca terei grana para bancar.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Não gosto de gente carente. Aquele povo que fica dia e noite no Facebook ou no Twitter postando, que pede muito carinho, que fica insegura quando se apaixona, que de repente sofre por descobrir que a vida seria intolerável na falta de certo alguém.

Sou exatamente a descrição de pessoa que imediatamente acima descrevi e disse que não gosto. Desde cedo aprendi a não querer contar muito com os outros e a viver sozinho: não gosto de esportes coletivos, trabalhos em grupo, dividir nada. Acho que por isso tenho poucos amigos, companheiros. Ou tenho a dificuldade de valorizá-los, mantê-los por perto.

Tenho uma amiga que era presente na minha vida. A gente fez pós juntos, depois Mestrado. Fui à sua defesa, a gente se visitava de vez em quando. Acompanhei na rede social que recentemente ela se apaixonou por um norueguês e nesta semana fez as malas e foi embora para lá viver com ele.

Não me despedi. Em algum momento, abri mão de nossa relação e a deixei escapar. Faço isso sempre... Acho que as pessoas uma hora desistem de me procurar, sei lá. Eu nunca dou muita trela mesmo.

Isso piorou acho que quando comecei a ter vida sexual. Outro dia a Fernanda me disse que o sexo deve ser o único momento em que tenho carinho humano. Fiquei pensando e me dei conta de que é verdade. Quando comecei a aprender a buscar sexo, passei também a dar menos importância para os amigos, afinal, eles não eram prioridade. Transar era.

E toda vez que me apaixonei por alguém com quem transei foi aquela explosão de desespero. Como se num solo árido de repente chovesse torrencialmente, como se um faminto descobrisse que tem diante de si um banquete.

Nunca achei que merecesse muita chuva ou o banquete. Sempre olhei para a chuva e para a comida com medo, mas, se algum dia me permitisse tomar banho ao ar livre ou satisfazer a minha fome, não conseguia mais sair debaixo d'água ou da mesa. Aquela coisa de "pobre quando come se lambuza". Eu não sei receber afeto e me satisfazer com ele.

Acho que direciono mal a minha vida nesse sentido. Detesto perceber como sou carente. Odeio me ver agir de forma carente. Não aguento ter esse vazio que eu gostaria de preencer de maneira racional e equilibrada, porra.
Uso o blog às vezes para relembrar onde estava ou o que estava fazendo em determinadas épocas, afinal ele está por aí há 8 anos... Muita coisa rolou. Vira e mexe entro e fico relendo os posts. Às vezes dá tanta vergonha...

Então, para consultas futuras, que fique registrado que no dia treze de julho de dois mil e doze, uma sexta-feira-treze, firmei contrato com a Caixa Econômica Federal para o financiamento do meu apartamento que está em fase de construção no bairro do Pechincha, em Jacarepaguá.

Fiquei muito feliz, mas esperando alguma extrema emoção, assim como quando me formei, quando defendi o Mestrado ou quando transei a primeira vez com um cara. Não foi nada assim, só um alívio. No fim das contas, continuo sendo o mesmo.

Nestes dias eles colocaram os tijolos nas paredes do meu exato apê. Ele fica de frente para os fundos desta casa onde moro. Fiquei meio intrigado olhando para o vão já formado da janela onde, daqui a pouco mais de um ano provavelmente, ficarei encostado vagando o pensamenro vendo algo fora do espaço interno da casa. Minha vida acontecerá ali, onde hoje não há nada além do que operários, cimento, tijolos e vazio.

Deu já saudade do futuro.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Ando precisando escrever e não consigo tomar coragem para fazê-lo. Não sei do que é esse medo, mas sei o tipo que é. Justamente o que eu menos tenho na vida: o que nos impede de fazer as coisas. 

Acho que vai ficar uma porcaria. Acho que não tenho talento. Acho que não tenho condição.

Tento lembrar dos meus papos com alunos que andam mal em alguma coisa: não conseguem fazer um trabalho, tiram notas baixas, coisas assim.

"Isso não diz quem você é. Não muda nada sobre sua existência. Só mostra que alguma coisa aconteceu e a gente tem que descobrir o que é e seguir em frente resolvendo até conseguir."

Eu devia falar mais assim comigo mesmo. O mestrado não foi bom e eu hoje consigo entender onde foi que errei. Por que ainda deixo que isso me defina? Não devia eu ser mais seguro e meter a cara?

Então, vamos lá, vou fazer comigo o que faço com os alunos:

"Isso não diz quem você é. Não muda nada sobre sua existência. Só mostra que alguma coisa aconteceu e a gente já sabe o que é e agora vai seguir em frente resolvendo até conseguir."

domingo, 24 de junho de 2012

Acredito que há uma escala de coisas que nos dão prazer. Ele existe como um mecanismo biológico para fazermos o que é bom para a gente. Tenho vergonha de dizer, mas fico muito feliz quando vou ao banheiro e acho que estou sendo muito claro sobre o que estou falando. Precisamos, diariamente, eliminar as impurezas do nosso corpo: daí vem a satisfação. Aprendi coisas sobre o meu organismo neste ano. Tem dois dias que começo a ter compromissos somente a partir das 11h45min, por isso vou sempre, nessas ocasiões, muito bem humorado para fazer o que quer que seja, afinal, estou sempre em dia com o banheiro. Dormir é outra coisa maravilhosa. Precisamos recarregar as energias. Fico muito triste porque hoje em dia, para dar conta dos meus compromissos, às vezes tenho que abrir mão de algumas horas de sono: e eu realmente preciso das tais 8h! Comer e beber têm relação com a sustentação do nosso corpo. Perdi o hábito, mas antigamente eu gostava de comer bem devagar quando a comida era boa: para aproveitar o máximo de tempo possível o momento precioso da percepção do gosto.

Mas nada se compara ao sexo. Qualquer coisa que tenha falado antes se compara a transar bem e fico me perguntando o porquê e acho que cheguei a uma conclusão. Viajei nisso hoje porque faz mais ou menos um ano que Alexandre vem aqui e me leva a lugares que nem imaginava que existiam. E olha que sou rodado! 

Nada é mais fantástico, importante para nosso corpo, relevante para nossa espécie do que formar uma vida. E é daí que vem o sexo. Nesses momentos em que um ser permite que outro o invada, a conexão que se estabelece e o fim a que, originalmente, se destina é tão primitivo que finalmente entendo ou acho que consigo ordenar em pensamentos as coisas que sinto ou que percebo nos outros quando o assunto é erotismo. Fico imaginando que, se a partir de um ato como esse, surgisse um filho, eu iria pirar de um amor louco, aquele que os amigos que têm crianças tentam explicar, mas não conseguem. O amor da lembrança do momento do surgimento daquele ser, o amor do enxergar meu descendente, saber que ele é uma extensão de mim e que, por isso, continuarei vivo.

É claro que o meu sexo com o Alexandre não gerará qualquer vida. Nem me lamento por isso porque o bom de ser humano é que podemos manipular os mecanismos biológicos de prazer para tê-lo quando bem quisermos, da maneira que quisermos. Mas isso não deixa de fazer com que essa energia seja uma das últimas que nos aproxima da irracionalidade, que nos lembra de que somos animais. Já cruzei com pessoas em situações tão essencialmente sexuais que eu me perguntava se elas existiam fazendo outra coisa que não aquilo. Certa vez um cara com quem eu transava no Flamengo, ao ver que eu estava triste pelo fim do namoro e amando um cão, me disse:

"Não consigo associar essas coisas ao cara que conheci antes. Para mim, você era um devasso e só."

Sem conclusões a tirar. Só estou feliz da vida por ter passado muitas horas com o Alexandre hoje.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Só queria te dizer que você foi a pessoa mais legal que conheci nos últimos vinte anos. Pode ser que dois encontros seja pouco para fazer esse tipo de afirmação, talvez seja mesmo, mas afirmo mesmo assim: tive a certeza de que você era o homem da minha vida. Essas certezas sempre passam quando a gente decide ir viver junto e tornar realidade o sonho de se ter o-homem-da-vida. E eu bem que estava disposto a tentar com você e tenho quase certeza de que essa disposição só aconteceu porque você iria voltar para o outro lado do oceano e que, por isso, a tentativa não seria, de fato, possível, mas mesmo assim: eu estava disposto a tentar. E fiz bonito o meu papel de pessoa analisada e equilibrada e não dei vexame, não te liguei em horários inapropriados, nem chorei no meio da rua. Banquei mesmo a atuação do cara seguro. Olhando agora para os últimos meses, acho que cometi uns deslizes ao te escrever demais no Facebook, mas rapidamente, após seu silêncio, reergui a muralha de pessoa estável e nem um pouco carente, afinal na vida a gente não precisa ser, mas sim parecer. Não é uma lição de que eu goste, mas não deixa de ser verdadeira. Só queria te dizer que até hoje espero uma mensagem sua escrita só para mim. Só queria te dizer que não te esqueci e que penso em você várias e várias vezes ao dia. Só queria te dizer que tenho certeza de que seria mais feliz se você estivesse por aqui. Só queria te dizer que queria saber de um jeito de você ser mesmo o homem da minha vida. Só queria te dizer essas coisas, mas te escrevo aqui porque sei que você não irá ler.
Outro dia li um conto da Clarice chamado Miopia progressiva que ficou e ficou na cabeça. Falava de um garoto que percebeu que o que ele era "dependia da instabilidade dos outros". Algo assim: se ele dissesse algo que despertava a surpresa e a reação coletiva de que aquilo fora inteligente, logo ele seria inteligente, por meio da aprovação dos outros (a família). Até que ele recebe a notícia de que passaria o dia inteiro na casa de uma prima que nunca tivera filhos. A partir daí, começa a pensar se consegue planejar o que ele será para a prima que, pela falta de filhos, obviamente o amará. Se disser algo inteligente, será inteligente; se ficar quieto, será calado; se se esconder no banheiro, será aquele-que-não-sai-do-banheiro e por aí vai.

Eu cresci com a impressão de que eu era uma decepção para a minha família. Para meus pais, mais precisamente. Era, segundo eles, delicado, muito educado, observador... Por meio de todos os adjetivos, havia uma certa crítica, afinal, não atendia às expectativas deles, que sempre falavam dos homens que admiravam ressaltando qualidades como bravo, voz grossa, forte. Tudo o que eu não era. Bom, pelo menos eles me diziam que eu não era.

Então acreditei. Acho que é o que todos fazem.

Quanto à minha irmã, ela nunca teve jeito. Tem gente que vem com má índole desde sempre. Muito mentirosa e egoísta.

Então acreditou. Acho que ela faz isso até hoje.

É claro que a minha mãe morrer de ciúmes dela não lhe fez mal algum. Nem dizer que parou de estudar para que ela nascesse. Nada disso ferra com a cabeça de ninguém.

O foda é que até hoje eles falam assim dela. Quanto a mim, já que fiz de tudo para ser diferente e resolvi estudar, sou muito intransigenteo-sabe-tudo. Eles colocam, quando têm oportunidade de fazer essas críticas (o que é raro), um tom pejorativo.

Eu não tenho saco para gente que não assume responsabilidade para as merdas que faz. Não sou solidário com pessoas que tapam o sol com a peneira quando têm que se ver diante do espelho. Eu entendo que meus pais me amam e tudo o mais, mas não aguento ficar muito perto de tanta inconsciência ou alienação sobre si mesmo.

Não consigo ficar muito perto da minha família.

Se vocês acham que isso é intolerância, o que posso fazer além de ser intolerante?

terça-feira, 19 de junho de 2012

Um pedido

Eu peço ajuda a quem estiver lendo ou ouvindo ou dentro da minha cabeça. Que eu nunca esqueça que a rotina e a falta de novidades dificilmente são realmente significantes de infelicidade, muito pelo contrário. As grandes emoções e paixões me trouxeram sempre consigo dor, sofrimento e desespero.

Espero não mais esquecer que pedi desesperadamente por paz e junto com meu pedido fiz de tudo para tê-la: paguei todos os preços, abri mão de tudo que era para ser aberto, revi os meus valores e olhei para bem dentro de mim sem medo do horror que poderia encontrar.

E que encontrei.

Tenho uma autoestima frágil que se defende, nos momentos de crise, valorizando aparência e superficialidades. Já aprendi que isso são tolices, não posso mais esquecer.

Tenho amigos, os melhores cães do mundo, trabalho, segurança e um vislumbre de futuro. Que eu sossegue com isso, por favor.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

34

Fico melancólico com aniversários. Bate uma tristeza estranha, um desconforto de ser. Normalmente essa data serve para que as pessoas se sintam especiais pela celebração de um dia terem chegado ao mundo. Não consigo ver algo de tão extraordinário nisso.

Sinto muita solidão nos aniversários. E não há relação com ter ou não pessoas perto: amores, amigos, família. É uma carência tão grande que jamais poderá ser resolvida. A mesma que senti nas vezes em que me apaixonei e me dei conta de que aquilo podia acabar, a mesma que comecei a sentir em algum momento da infância, quando percebi que não bastava eu ser para receber o sagrado sentimento. Enfim, tenho em mim a clareza da insegurança do amor.

Queria poder pular os dias dos aniversários. No fundo, no fundo, eu morro de vergonha de existir, sinto-me meio sujo. Tenho a sensação de que consegui disfarçar muito bem terríveis defeitos para sobreviver porque preciso estar no mundo e não sei sair dele para fazer o que mais tenho vontade: isolar-me e ficar bem escondido.

Não quero parabéns nos meus aniversários. Eu não mereço, não há o que comemorar, me deixa em paz na minha culpa, no meu erro, na minha solidão e amargura.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Ano passado uma psicóloga foi ao meu trabalho dar uma palestra sobre família. Basicamente, ela dizia que não são só nossos genes que são eternizados no processo de reprodução. Na verdade, carregamos os hábitos, o jeito de lidar com as coisas, a maneira de amar... Uma fala dela me marcou profundamente, algo assim:

"Você pode fugir, parar de falar, dizer que seus pais morreram. Eles sempre vão estar vivos em você. Não há fuga. Não há escapatória da família."

A maioria dos meus colegas do trabalho é bem tacanha. Não gostaram muito disso. Acho que na hora entendi, não sei se porque faço análise e tal.

Ontem fui ao dia das mães com muitas apreensões. Liguei para avisar que estava saindo e, é claro, para sondar o terreno: ela sempre dá mostras de como está seu humor ao telefone.

"Oi, meu filho! Estou te esperando!"

Dava para sentir o sorriso ao telefone. Bom sinal.

Chegando lá, encontrei minha irmã. Ela mais uma vez fez alguma coisa horrível no cabelo e agora, também, nas sobrancelhas. Fiquei olhando para ela observando como somos diferentes. Como eu tento ser diferente. Ela e a filha se parecem no jeito. São meio dengosas, fazem uns carinhos inesperados e desconfortáveis. Eu fico tentando ser polido, ficar livre de preconceitos e de aversão. De certa forma, acho que o que me incomoda é que posso ser como elas de alguma forma.

Em algum momento, meu pai me disse inesperadamente:

"Não comenta com elas que eu e sua mãe fomos ao show do Roxette ontem."

Fiquei surpreso e perguntei o porquê daquilo. Não obtive resposta.

Enquanto víamos fotos antigas que a tia Conceição guardava a sete chaves, mamãe comentou que minha tia devia estar chorando a essas horas porque o meu primo Vinícius não quer mais saber dela.

"Ela liga para isso, sabe? Em vez de deixar para lá!"

Fiquei mais uma vez surpreso e pensando se ela estava dizendo isso para nós ou para si mesma.

Enquanto minha irmã se arrumava para ir embora para Macaé e a minha sobrinha fazia mais uma cena de chantagem, mamãe virou rapidamente para mim em tom de sussurro e disse:

"Sua irmã se envolveu mais uma vez com aquele vagabundo que quase a matou de novo. A sua sobrinha cortou os pulsos durante o carnaval. A gente fica aqui socorrendo."

Não sei o que me surpreendeu mais. Os fatos contados ou o jeito meio estranho como eles foram ditos.

Fico pensando no ela fala de mim para os outros membros da família:

"Ele é muito isolado. Só quer saber de cachorro. Nem liga para a gente."

Às vezes eu queria poder contradizer a psicóloga e, sei lá, fugir, ir para outro estado ou país, mudar de nome, adotar uma criança e começar uma história nova, tentando acertar, sair dessa loucura que nem consigo entender direito.

Mas não dá, né?

domingo, 13 de maio de 2012

Falei no Facebook ao meu irmão que amanhã vou à casa dos nossos pais por conta do dia das mães. Ele me disse:

"Boa sorte lá!"

Um comentário honesto que me deixou amargo. Sei que meus pais estão sofrendo, mas eles não mediram consequência quando fizeram o que bem entenderam com a nora. O pior é não ter a menor esperança de que um dia percebam a merda que fizeram. Eu presto tanta atenção aos meus atos que fico chocado com essa falta de autocrítica.

Outro dia o Paulo me ligou de um telefone com númedo confidencial:

"Eu te peço perdão pelo que quer que você ache que te fiz!"

Cumequié?!

Muito fácil, não é? A gente maltrata, humilha, pisa, torna a vida do outro um inferno e depois pede perdão "pelo-que-quer-que-achem-que-tenhamos-feito". Se ele ao menos soubesse o-que-acho-que-ele-me-fez... Se se prontificasse a reparar qualquer coisa que seja... Mas não.Tratou nossa relação como qualquer coisa, permitiu-se um monte de abusos e ainda acha que tenho que tolerar sua presença.

Cada vez entendo mais que devo tomar cuidado com os outros, que temos que ir com muita paz no coração quando precisamos confrontar o outro e que gente agressiva e inconsciente de si deve ser evitada das relações íntimas.

Nada como a estabilidade do respeito e da tolerância.

Amanhã vou com o coração aberto à casa dos meus pais. Mas a vigilância e a calma estarão no modo on, pois não acredito que é só de sorte o que preciso ao conviver com minha família.
Eu o olho e não consigo conter a ternura. Miró de repente ficou velho. Não posso dizer que ninguém me avisou: Fernanda disse que era de repente. Num verão, ele está ótimo, mas na estação seguinte vira um senhor com dificuldades para andar, com a saúde frágil e dormindo quase o dia inteiro.

Há mais ou menos um mês a Divina me disse que ele estava muito magro. Ela é a moça que dá banho nos cães. Vai sozinha lá em casa e os busca semanalmente. Depois de quase dois anos, resolvi confiar a chave do meu portão para ela fazer isso. Deve ser coisa do nome: a mulher é um anjo.

O Fernando já tinha alertado-me para a magreza do Miró. Eu não estava conseguindo enxergar. Em menos de dois dias, ele resolveu não comer mais ração. Desde então, faço uns pratos especiais de arroz, ovos, frango e cenoura. Ele adora.

Descobrimos dois tumores no baço que têm um aspecto horroroso e que podem causar hemorragia. Provavelmente não há nada a fazer. As pessoas me olham com um jeito conformador de "o-que-você-espera-de-um-cão-com-17-anos?"

Vai todo mundo à merda.

Não quero me preparar para a partida, não quero uma vida sem Miró embaixo da minha cadeira ou me seguindo pela casa, não quero parar de limpar seu mijo ou de fazer comida para ele. Quero-o prara sempre comigo.

Eu te amo, Miró.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Ando desperso pra caramba. Às vezes tenho a sensação de que o dia passou e que não fiz nem metade das coisas que deveria. Seja na casa, seja no trabalho, seja nos estudos. Roupa atrasada pra passar, correções atrasadas, leituras atrasadas.

Contas atrasadas.

Os serviços de água e luz aumentaram de valor consideravelmente nesses meses de calor que passaram. Houve os problemas com a caixa d'água, houve a dedetização, houve querer fazer extravagâncias... Mais uma vez caí no buraco e eu sempre vou tão lá no fundo!

Falta uma parcela para pagar tudo o que devo à Fernanda, mas isso não me traz ainda paz. Ainda falta acertar luz, água, telefone, sky, analista...

Aí de repente comecei a me desorganizar. Parei de ir à academia por que alguma coisa eu deveria cortar, peguei uma revisão de tese para fazer e me enrolei nas leituras da pós, as coisas começaram a desandar. Fico só lutando desesperadamente para que ninguém perceba o que está rolando.

Quando estou em casa e já cuidei dos bichos todos, fico na internet olhando para a tela como se amor, dinheiro ou solução de carências pudessem ser resolvidos tão facilmente quanto a necessidade de se ver um filme pornográfico.

O mais estranho e que não sei a quem pedir ajuda ou o que quero ou o que podem me oferecer em auxílio. Então começo a devanear coisas absurdas como ganhar na loteria, encontrar alguém que me ame e que esteja ao meu lado apesar de todas as minhas mazelas (e às vezes tenho a impressão de que são tantas e que ninguém jamais ficaria comigo mesmo assim).

Dinheiro só se consegue trabalhando, amor requer vigília, disposição, crescer nos estudos e ficar bem no trabalho requer atenção, disciplina e dedicação.

É tanta coisa pra dar conta. Não está rolando. :/

sábado, 28 de abril de 2012

Hoje é aniversário da minha mãe e faz uns 4 meses que não a vejo. Ela me disse que não estaria em casa hoje, subiria a serra. Só consegui que atendesse o telefone lá por volta de 12h e, por mais que não estejamos com tanto contato ultimamente, não mudou muito: falou por volta de uma hora e meia quase sem parar. A mim só cabe ouvir. Como o dia é especial, fiz essa concessão.

Não posso deixar de confessar que senti um certo alívio por não ter como ir vê-la e isso me dá tanta culpa! Fico tentando imaginar como ela foi quando eu era bebê. Os cuidados, o amor, o seio. Talvez pensando assim, consiga ter uma relação normal de filho que tem vontade de ir ver os pais. Mas não consigo. Lembro das maluquices, das manipulações e das chantagens. Ser amado por ela tem um preço muito alto que sempre é cobrado.

Quando eu era criança, depois adolescente, frequentava a casa dos amigos e via algo de diferente nas famílias deles. Não sei bem o que era, mas sentia uma vontade de ter uma família normal, se é que isso existe.

Nesse tempo sem encontrar meus parentes Dulce veio e foi embora, Miró envelheceu muito, um monte de cabelos brancos apareceram, voltei a estudar.

Tenho medo de o tempo passar e ser tarde demais, mas não consigo tomar uma atitude para conseguir conviver com eles. Sinto-me quase sozinho no mundo, mas parece que estou melhor assim.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Deve ser excentricidade, mas tenho a sensação de que não sei viver num ambiente desarrumado. Tudo em seu lugar, as coisas bonitas, a ordem estabelecida: coisas que me trazem paz. Não consigo estudar, trabalhar, descansar, ver TV, ou seja, fazer qualquer coisa se tais critérios não forem respeitados.

Anteontem recebi pessoas que dormiram e o normal aconteceu: ficou aquela bagunça. Acordamos, tomamos café e fomos levar a Dulce para a nova dona. Ao chegar e ver colchões, toalhas, louça, restos de comida, travesseiros espalhados, lama seca no chão e muita coisa fora do lugar, entreguei-me à tarefa de limpar e organizar tudo.

O chão foi varrido e limpo com pano molhado, o sofá arrumado, o banheiro lavado, o viveiro do papagaio teve o jornal trocado, o lixo foi colocado na rua, passei lençóis limpos, acendi incenso. Quando já estava acabando, ao estender os panos de chão que havia colocado para lavar e ao colocar as toalhas brancas e úmidas de molho, resolvi tomar umas cervejas e aproveitar a solidão.

Nessas horas, eu tomo um belo banho desses sem pressa, coloco uma roupa limpa e passada das de sair e fico curtindo a casa, o lugar lindo e limpo, estando eu lindo e limpo também. Vejo TV, leio algo, estudo, fico no computador, ouço música. Fico vivendo como se fosse numa cena de novela.

Enquanto estava nessa atividade, recebi SMS do Alexandre perguntando se eu queria que ele fosse lá em casa fazer coisas bem indecentes. Fiquei muito feliz por ter cuidado de tudo, pois também não sei fazer sexo num ambiente desarrumado.

E o final de semana prolongado teve o final relaxante que merecia.

:)

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dulce Veiga foi embora hoje. Não consigo deixar de sentir a perda. Ela deve ter atendido ao significado do nome, pois jamais conheci criatura tão doce. Talvez Caio Fernando tenha me ajudado lá do céu a achar a dona que está tão apaixonada por ela. Fomos hoje lá levá-la em Belford Roxo, num lugar simples, numa casa simples onde mora uma mulher jovem e cheia de amor.

Pensei que ia desabar ali. Surpreendi-me por estar tão tranquilo. Pensei que a cadelinha também fosse fazer alguma cena, chorar na hora de eu ir embora, como sempre fez quando eu saía de perto dela em qualquer lugar. Não: ficou bem. Acho que até sorrindo.

Pensei que seria muito ruim doá-la. Eu ficaria muito puto se fosse criança totalmente dependente e alguém me salvasse da rua, cuidasse de mim, me desse amor, cuidados e um dia me dissesse:

"Já fiz tudo o que podia por você. Agora está na hora de você ir, pois encontrei novas pessoas que vão te assumir."

Mas ela não sou eu: não racionaliza. Está bem e feliz. Já vive seguindo a dona nova por onde quer que ela ande.

A casa está mais vazia, mas também mais tranquila.

E depois de todo o trabalho, todos os gastos, toda a confusão, acho que valeu a pena. Foi bom ter tomado uma atitude e não ter deixado aquele ser lindo morrer sozinho e com fome na rua.

Adeus, Dulce.

Eu te amo.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Eis que encontro amigos que ficam bastante chocados com minha barba já grisalha.

"Isso porque não viram a quantidade que há no meu peito", eu digo.

Acho que passei os últimos anos tão concentrado em viver, nos problemas, na rotina, nos estudos, no trabalho, em tanta coisa que não senti o tempo passar. Ainda me choco com a constatação de que sou: um homem maduro.

Foi de repente. Agora, está escrito na cara a minha idade. Não tem como passar por mais jovem. Se digo que tenho 27 anos, as pessoas riem da piada óbvia.

O lado bom disso é ser solteiro. Estou no auge. Se não é do meu vigor sexual, é da experiência nesse assunto. Além disso, há uma carência paternal no mundo gay que faz os rapazes vibrarem com uns pelos brancos, com uma cabeça raspada, com a referida barba grisalha. Outro dia, um carinha lindo com quem me encontrei certas vezes e que me encantava com o olhar deslumbrado e meio inocente da juventude me disse:

"Gosto muito de caras como você, mais velhos."

E tem o crescimento na carreira, o vislumbre da casa própria e uma certa serenidade na busca do amor.

Definitivamente, é bom estar na casa dos 30.

segunda-feira, 26 de março de 2012

"Estou com saudades."

"De quem?"

"De você, ora. Já estou com saudades."

Estávamos terminando de tomar café na Nova Belém. Passamos a noite juntos, aquelas coisas. Diversas vezes ele vem com uma dessas e eu fico na maior saia justa.

"Cara, estou tão feliz!" Eu disse, na quarta-feira.

"Por quê?"

"A conta d'água baixou! Veio R$90,00!"

"Pôxa, pensei que você estava feliz por eu estar aqui..."

"..."

Tem duas semanas que nos vemos. Ele me parece legal, inteligente, bacana, masculino. Tem umas travações com sua condição de gay. Não falou para a família, para os amigos, tem vergonha. Quando vou de putaria dizer que quero fazer alguma sacanagem ou que gosto de sacanagem assim assado, ele diz:

"E eu gosto de você."

Ontem ele perguntou se quero namorá-lo. Preferi sair pela tangente e dizer que é melhor a gente ir com calma, etc. e tal.

A verdade é que acho que simplesmente não estou a fim. Só que faz um tempo que desconfio de mim mesmo. Essa coisa de se apaixonar é meio escolha. Não acho que tenha escolhido esse cara. O problema são os que eu escolho. Não deveria tentar fazer diferente?

Talvez eu prefira viver na idealização do que foi embora pra Londres.

Só sei que fico tão nervoso com essas situações... Dá vontade de romper logo, parar de ficar. Dizer que não vou me apaixonar e não sei mais o quê.

É o segundo cara que pede para me namorar neste ano. É o segundo que rejeito.

Humpf.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Eu narrava à Fernanda e ao Ugo a fala da analista: "Você sempre fala da Fernanda, de Fernando, dos alunos, dos colegas de trabalho, dos seus pais... Um grupo que não varia muito, não é? Eu tenho a sensação de que poucas pessoas circulam na sua vida, sabe? Por que será, Wally? Será que não é por que você tem medo de não ser aceito?"

"Essa sua psicóloga só fala o óbvio, hein?!", Fernanda disse com a cara de entediada. Em seguida, um pouco interessada: "Ora, eu vivo o mesmo e não sofri falta de aceitação como você." Em poucos segundos, completamente apaixonada pelo assunto: "Minha vida gira em torno do Fer, de você e de uns poucos gatos pingados! Não pode ser por questão de gênero, senão eu não poderia ser assim!"

Estávamos os três na salinha de café da coordenação. Agora, rememorando isso, fico pensando no quanto essa conversa era inusitada. Três modestos seres que reconhecem a condição de falhos muito comprometidos a se entender e a tentar, de algum modo, ser mais feliz. Dávamos uma leve escapulida de alguma reunião chatérrima e super cheia de agressões veladas.

"Olha, a minha esposa é como vocês e isso, em algum momento, me sufocou muito, pois eu sentia que tinha muita responsabilidade, afinal, eu era quase a única pessoa da vida dela." Enquanto eu e Fernanda ainda estávamos meio atônitos, sem argumentos para retrucar a afirmativa do outro, mais algum professor fugitivo aparecia com a desculpa do café e a gente teve que desconversar muito naturalmente, afinal somos mestres, propondo algum frívolo assunto, algo como:

"Muito desagradável você convidar alguém para os Vigilantes do peso, não acha?"

Tenho pensado muito nisso de ter poucas pessoas ultimamente. Acho que tive alguma resposta hoje.

Um ex aluno tinha passado várias horas conosco e, enquanto levávamos os três que nos visitavam ao ponto de ônibus, ele disse para mim e para minha amiga:

"Eu tenho muita dificuldade em me despedir de vocês. Eu gosto muito de estar perto dos dois."

Não esbocei reação. Na verdade, tive que controlar um olhar de desdém. Entenda bem, não desprezava os sentimentos do menino. Simplesmente lutava para não acreditar neles. Afinal, não poderiam ser reais. Pelo menos no que se referiam a mim.

É assim a minha loucura. E acho que dessa forma afasto as pessoas. Elas devem sacar o meu desdém-de-proteção-por-insegurança e não mais me procurar. E eu, orgulhoso, finjo jamais precisar delas.

Amanhã vou puxar algum contato. Mandar alguma mensagem, mostrar que não desdenho das coisas bonitas que me foram ditas de coração.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Quando disse ao meu pai que me senti mal com o que houve no fim do ano passado com o meu irmão e a mulher dele, que aquilo me fazia lembrar de coisas ruins de nossa família, ele disse:

"Mas nunca vivemos nada parecido com aquilo!"

Que falta de reflexão, cara! Ora, as pessoas gritando, ofendendo umas às outras, agredindo fisicamente umas às outras, humilhando umas às outras... Essas coisas nunca aconteceram? Quando questionei sobre mamãe esbofetear a menina, ele disse:

"Ela estava desesperada. A garota dizendo desaforos. Perdeu a cabeça."

Eu acho incrível como minha mãe tem justificativa para tudo. Ela pode tudo.

O pior é imaginar que eles só fazem é separar a família inteira. Em vez de centralizar, afastam todos.

E estamos em mais um fevereiro em que eu me arrasto sem dinheiro algum. Todo fim de ano a escola paga os salários de dezembro, janeiro, as férias, o décimo-terceiro e sempre chego nesta época completamente duro. Não sei administrar, não sei lidar com um monte de dinheiro na conta. Sempre me fodo.

Justamente também quando me dou conta de que estou quase sozinho no mundo. Devia me organizar minimamente para não precisar de ninguém.

Estou tão decepcionado comigo, com meus pais, com o jeito como os cães são tratados, com o transporte público, com o trabalho, com o preço das coisas... Sei lá, às vezes vou vivendo só porque é o que tem que ser feito. Não vejo muito sentido nas coisas.

Esse blog é muito fundo do poço.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Anteontem fui dormir super tarde para reorganizar as coisas depois de um fim de semana refugiado na casa da Fernanda por conta da dedetização. Lavei três máquinas de roupas, ajeitei a cadela que resgatei da rua na área de serviço por conta do cio que surgiu sexta, exato dia em que finalmente tinha conseguido marcar a castração na prefeitura.

Ontem acordei super cedo para voltar à academia, cuidar de todos os bichos e ir trabalhar. Passei o dia na escola, fui fazer a prova da PUC, cheguei umas 22h30min.

Qual não foi a minha surpresa ao ver que a obra do prédio atrás da casinha mexeu no muro. Sujou a roupa inteira de poeira, desprendeu trechos da cerca-faca colocada para proteger a propriedade de invasões. A visão do artefato ameaçador de metal pendendo a meio metro do chão foi desesperadora: e se tivesse caído e a cadela se machucado?

Os amigos não podem ficar com ela. Não posso criticá-los, pois estão certos: quem inventou de catar da rua fui eu, logo cabe a mim lidar com toda a confusão.

Hoje falei com os responsáveis pela construção do prédio. Resolveram o perigo.

Mas estou cansado, sabe? Vou chegar tarde e vai ter um monte de coisas para se fazer em casa. Tenho dormido pouco.

Estou triste. A sensação é a de que fazer o bem não vale a pena. Minha vida não estaria tão complicada se eu não tivesse recolhido a Dulce. Estaria dormindo bem, com mais dinheiro e tranquilidade.

E ela estaria morta.

Essa conclusão me enoja.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

"Cuida do jardim, cuida dos seus cachorros. Por isso que você está assim. Fica abrindo margem para pensar besteira. Muita coisa depende de você para seu astral estar assim. Você é uma pessoa agregadora, de quem todos querem estar perto. Não fica nessa insegurança por que levou uma bronca que em parte foi correta, mas que em parte também não teve fundamento. Você ficou puto por ter vacilado e por ouvir o que merecia. Normal, não tem que ficar achando que todo mundo te persegue por isso. Você leva gente para sua casa para fazer sexo e eu acho que não se protege da energia que entra aí. Seus cachorros são umas anteninhas que ficam captando essas coisas. Pensa em Deus, pensa em ser Cristão. Isso só faz bem."

Palavras da Fernanda hoje pelo telefone. Estava precisando ouvir coisas assim por que acho que entrei numa crise.

Não sei se está sendo bom lembrar da minha infância. Às vezes me pego agindo e pensando exatamente como naquela época. Mas preciso resolver isso dentro de mim, não é?

Arrumei toda a casa, fiz um agrado nos cachorros, troquei os lençóis, tomei banho, passei o hidratante de pepino da L'occitane que descobri que ainda não tinha acabado. Nesse meio tempo, não pude deixar de perceber que Miró me seguia cansado pela casa enquanto eu inventava alguma coisa a mais para arrumar antes de dormir. Nitidamente estava cansado, mas mesmo assim não relaxava por que sabia que em breve me deitaria e só então ele também poderia fazer o mesmo. Sem questionar, sem reclamar, simplesmente por que era isso que seus instintos lhe diziam.

Fiz-lhe um carinho na cabeça, apressei-me, trouxe o laptop para escrever aqui na cama, deixei que descansasse.

E agradeci a Deus.

Obrigado.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Quando eu era criança, houve épocas em que não queria ir à escola. O ano era 1990. Papai tinha voltado de uma viagem de 9 meses aos Estados Unidos. O apartamento era um ambiente horrível: meus pais viviam brigando, íamos de 15 em 15 dias para a construção da casa de praia, mamãe torturava psicologicamente todos os dias minha irmã, que, na escola, fazia coisas absolutamente destrutivas. Fui também estudar em Campo Grande porque "tinha que vigiá-la".

Eu mal conseguia dar conta de mim. E, se o que a mais velha de nós queria era a atenção de alguém naquele espaço de ensino, não conseguia. Ninguém dava bola para ela. Nem para mim.

Eu acho que foi a época em que mais sofri bullying na vida e a minha resposta era o isolamento. Às vezes conversava com algum desconhecido no ônibus. Poderia ser um velho, uma mulher adulta, outro adolescente. Ficava curtindo o prazer de me comunicar com alguém. Algo meio raro porque as pessoas que conviviam comigo sempre, em algum momento, agiriam de maneira hostil. Mesmo tendo aprendido a esperar por isso, eu me surpreendia.

Em alguns fins de semana, a gente tinha que ir a uns churrascos de uns amigos de Marinha do meu pai. Eu odiava. Era um pessoal agressivo, que enchia a cara de cerveja, ouvia somente Roberta Miranda e às vezes fazia comentários homofóbicos para mim. Meus pais nunca me defendiam. Pelo contrário, normalmente faziam alguma cena em casa para dizer o quanto eu era a vergonha deles ou algo assim. Isso, claro, depois de haver alguma discussão sobre quem deveria dirigir o carro, pois o meu progenitor, mesmo trocando as pernas, insistia que tinha condições de guiar.

Acho que não tinha muita consciência da merda em que viva. Sofria, mas estava sempre disposto a viver bons momentos. De repente, comecei a perceber que a distância de casa me proporcionava uma certa liberdade, então vagava por aquele bairro estranho. Voltava sempre sozinho das aulas e até gostava. Todo dia visitava lojas de discos, comprava biscoito a quilo numa loja chamada Sugared, ouvia fitas no walkman americano que tinha ganhado. Comecei a gostar de Madonna.

Minha irmã costumava assaltar a carteira de papai e uma vez me deu uma revista inteirinha de letras traduzidas da cantora. Para onde eu ia, levava comigo aquilo.

O fim do ano letivo foi triste. Fiquei reprovado em absolutamente todas as disciplinas. Não me importei. Eu achava que iria virar feirante. A minha mãe me ameaçava disso, quando via minhas notas. Uma vez fui chorando dizer que era para ela me levar mesmo para um lugar desses, que eu ia largar a escola e trabalhar vendendo legumes e frutas por aí. Ficou me olhando atônita e nada disse.

Não tinha muitas esperanças de ter uma vida boa. Trabalhar, ser inteligente, algo assim. Devaneava com carros, apartamentos de luxo de novelas, vida de rico.

Eu queria ter uma máquina do tempo. Chegar lá e me encontrar. Iria me convidar para tomar um sorvete, dar uma volta na praia. Ouviria com interesse o que o menino de 11 anos que fui dissesse. Ajudaria nos deveres de casa, daria conselhos, diria o quanto eu poderia ser bom, que tudo passaria um dia. Fazer comigo mesmo bem o que proporcionei àquela cadela que peguei na rua e que agora dorme no chão, ao meu lado. Mas isso é impossível.

Só não me esqueço. Só choro ao lembrar. Só repito todos os dias, em todos os momentos que tenho valor. Só me esforço para realmente acreditar nisso.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Quando a gente foi morar em Copacabana, o combinado era que deveríamos dividir as contas. Isso deve ter durado uns cinco meses, no máximo.

Depois de muita confusão, cedi e aceitei que tivéssemos uma relação aberta. Em nenhum momento achei que isso permitiria que ele tivesse um outro namorado em São Paulo. Esse outro era aquele cara de quem ele tanto falava, que o chamava para uns trabalhos, que o hospedava, que tinha ido uma vez lá em casa.

"Que bom que vocês se deram bem. Isso é muito importante para mim.", ele disse nessa ocasião. Na hora, não entendi o que ele quis dizer. Quando a ficha caiu, senti uma decepção tão grande!

O pior mesmo foi quando ele disse:

"Não é que eu esteja apaixonado, simplesmente preciso. Ele está abrindo muitas portas para mim."

Em algum momento, depois de muita porrada, briga, humilhação mútua, ele se desvincilhou do cara. E parou de participar das contas da casa. Eu já não mendigava amor. Estava meio atônito diante da situação em que tinha me enfiado. Mudamos, inclusive, a forma de fazer sexo. Passei a comê-lo.

Mas não havia mais encanto. Acho que ele sacou.

Um dia, cheguei em casa e ele disse:

"Tenho uma surpresa para você."















Ao longo dos dias que se passavam, dizia coisa como:

"Não é pouca coisa o que estamos fazendo. Um cachorro juntos."

Eu ouvia aquilo sem racionalizar. Simplesmente estava apaixonado pela criatura inocente que estava lá em casa. Sofria de ter que ir trabalhar, de ficar longe. Acho que nunca tinha sentido nem recebido tanta ternura na vida. Saquei que ele começou a ter ciúmes do cachorro que ficava chorando na porta quando eu ia o banheiro. E me dizia:

"Ele é meu, né? Você sabe."

Mas sabíamos que aquele era o começo do fim.

Foi quando comecei a entender o que era o amor.
Toda vez que me apaixonei, fiquei tão desesperado! Nunca entendi muito bem como perdia tão fácil o controle e me humilhava tanto.

Eu implorava por amor.

Estava acostumado a perder amigos, a saber que um dias eles iam. De certa forma, não era mais tão ligado à família. Logo, quando algum namorado que eu amava me deixava inseguro, eu pirava, podia perder tudo. Foi assim com meu ex. E tudo o que ele fazia me causava esse sentimento. Até que o jogo se inverteu, mas o melhor a fazer foi me desvincilhar dele. Nem sei como consegui.

Eu ando falando da minha necessidade de amor porque, por mais óbvia que pareça, não era muito clara para mim. Acho que entendi agora, pois estou novamente apaixonado. As coisas são meio engraçadas, pois isso foi acontecer justamente com um cara que eu já sabia que iria embora.

Só Deus sabe o quanto me custa não fazer uma cena, não ser impertinente na internet, não mandar emails carentes e todas as palhaçadas que eu fazia em nome do amor. Na verdade, quando essas ideias tolas me vêm à cabeça, lembro que o desespero passou.

Eu tenho os cães. Eu tenho a Fernanda. Amor existe na minha vida.

Quando estávamos deitados no motel, falei dos meus cachorros e ele fez a seguinte observação:

"Isso é carência."

Muito prespicaz, não?

"Eu sei que é.", respondi. "Nunca me reconheci amado. Foi o jeito que dei."

Na última vez em que o vi, bebemos muito, ficamos soltos. Falamos sacanagens, falamos um do outro. E nessa ele me disse, entre outras coisas de que não me recordo direito:

"Você é muito seguro."

Pelo que falei da minha vida, acho que deve ter imaginado que não foi nem é fácil conseguir isso.

E eu peço força para seguir em frente, voltar a trabalhar, me apaixonar de novo ou estar bem para o possível dia em que ele volte e quem sabe a gente retome a história interrompida.

Vou seguir a vida tentando reconhecer, de fato, o verdadeiro amor.

Sim, pois, quando disse que nunca me reconheci amado, eu tinha plena consciência de que recebi diversas vezes esse sentimento na vida e não percebi que estava lá. Procurava nos lugares errados, dos jeitos equivocados.

Antes de ir embora, escreveu para mim:

"Já tô com uma saudade filha da puta do que teria acontecido se eu ficasse por aqui --- aahahaha, parece papo de bêbado, né? "

Fico devaneando o que ele imagina que teria acontecido. Fico imaginando o que teria acontecido. Mas fico mesmo com o que tenho: o trabalho que vai recomeçar e vai ser punk, as dívidas que só acabam em cinco anos, os bichos para cuidar e a cabeça para terminar de ajeitar.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Eu ando numa dor de cotovelo... Mexendo em tanta coisa difícil.

Tá foda.
Então chegou a puberdade e eu pirei nela. Já tinha aprendido a me masturbar desde muito cedo, não lembro bem a idade. A minha irmã me ensinou. Foi logo muito fácil entender que eu gostava de homens. Não sei se é uma piração frustrada por não ter sido como eles, daí a atração. Não sei por que ela veio e não sei se vale a pena tentar entender.

Se eu fosse hétero, não tentaria. Não é um problema, certo? Acho que esse é o principal problema deles: não tentam entender muita coisa.

Olhava os homens na rua com tanta curiosidade. Imaginava que, na noite anterior transaram, que teriam pelos em partes estranhas do corpo; admirava barbas, nucas e ficava excitado morrendo de vergonha na rua com a mochila escondendo minha genitália.

Eu era muito quieto e isolado. Finalmente descobriram a miopia e de repente virei ótimo aluno na quinta série, muito diferente da minha irmã.

"Nós percebemos que o problema dela não é familiar depois que conhecemos seu outro filho", os diretores uma vez disseram à minha mãe e ela vivia repetindo isso o mais alto e sempre que podia.

Engraçado como eu só tinha valor quando era para humilhar outro filho.

Ainda ouvia os gritinhos de "Ai, ai, bichinha!" às vezes, quando passava. Simplesmente ficava quieto aguentando. Ninguém ia me ver chorar.

E eu tinha tantas paixões platônicas! A mais forte foi a que senti por um cara lindo (pelo menos na minha memória) que pegava ônibus no mesmo ponto que eu. O apelido dele era Lerdão, parece que não tinha muita atitude com as garotas. Não acreditava nisso. Ele tinha barba, uma nuca linda, era alto, acho que 1,85m, era musculoso.

A sala de aula ficava ao lado das barras de Educação Física e de repente ele aparecia no alto da janela pendurado, suado, sorrindo satisfeito com a facilidade com que fazia aquilo tudo. Não havia aula de Ciências que pudesse competir com aquela visão.

Devia ser muito óbvia a cara que eu fazia, apesar de desesperadamente tentar disfarçar. O professor uma vez me chamou à atenção e disse que eu deveria aprender a ser homem.

Até então eu gostava dele. Era meio moderninho, engraçado, brincalhão. Pensei em várias maneiras cruéis de vê-lo morrer, desgraçado.

Comecei a acordar por volta de 4h30min para chegar o mais cedo possível no ponto de ônibus. Não podia perder a oportunidade de vê-lo embarcar. Eu usava um walkman, fazia fitas de rock e ficava ouvindo no último volume, talvez para mostrar, quem sabe, o quanto eu tinha bom gosto.

Fiquei realmente triste quando o vi, uma vez, imitando meu jeito calado, com fones no ouvindo e aparelho escondido na mochila. O séquito de garotas risonhas que andava atrás dele e de seus amigos musculosos começou a gargalhar. E eu levantei e fui embora. Não fazia sentido ficar mais até tarde na escola só para ter a chance de olhá-lo.

Acho que foi aí que eu comecei a devanear com um grande amor que ia me salvar daquela merda toda. Foi então que a vaga se abriu.




quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

"Ele é muito estranho, né? Tem um jeitinho."

Quando penso na minha infância, não consigo deixar de sentir uma certa compaixão: morro de pena. Sentimento estranho para se ter por si mesmo, ainda que seja em um estágio distante da própria vida. Mas não dá. Apesar da casa, da comida, da higiene, dos cuidados médicos, não consigo deixar de pensar que era como se eu fosse vítima de um holocausto ou prisioneiro de um campo de concentração. Claro que sou suspeito, afinal dificilmente alguém não se vê como herói da própria história.

O lance é que me chama a atenção essa extrema fragilidade e dependência que as crianças têm. Um prato cheio para os perversos de plantão, especialmente se forem pais. Quem há que os questione? Todos nos chocamos quando vemos déspotas alucinados fazendo atrocidades com suas nações, mas nos esquecemos de que, no microcosmo familiar os pais, em seus poderes quase irrestritos, podem quase tudo desde que não espanquem ou matem.

Eu devia ser muito efeminado. Não tenho nem tinha como me ver de fora para saber. Em minhas memórias, não me recordo de algum dia em que o que eu dissesse fosse ouvido como algo positivo, pelo contrário. Havia sempre uns olhares de repreensão que não entendia muito bem por que existiam. Até que em algum momento começaram a ser verbalizados:

"Fala direito! Fala que nem homem!"

Aquilo soava na minha cabeça já um pouco consciente como uma terrível injustiça: eu não era homem: era um menino, logo não devia ser cobrado por algo que eu não tinha condições de fazer. Além disso, ninguém me dizia como era falar do jeito que eles esperavam, ou seja, eu tinha que dar o meu jeito para atender àquela exigência absurda.

Certas vezes, quando a gente ia à casa de algum amigo do meu pai, eles me preparavam:

"O filho dele tem sua idade, é muito macho. Vê lá como você vai se comportar."

E eu seguia o caminho até a casa de quem quer que fossem aquelas pessoas com um embrulho no estômago, um mal estar que hoje entendo que é nojo.

Comecei a ficar muito calado, silencioso, isolado. Na escola, ou havia o bullying "Ai, ai, bichinha!", ou havia os professores chamando meus responsáveis "Ele é muito estranho, né? Tem um jeitinho." E dá-lhe olhares agressivos durante a conversa, e dá-lhe, quando chegávamos em casa:

"Você tem que falar direito. Como homem. Parar de nos envergonhar."

E eu sentia uma raiva tão grande por ser a vergonha deles. Já via TV, novela, essas coisas. Os pais amavam seus filhos. Faziam loucuras por eles. Os meus sentiam vergonha de mim e me tratavam como uma coisa errada, que não devia ser.

Em algum momento que não sei precisar bem quando, se foi antes de falar, se foi durante a idade escolar, não sei, a minha irmã começou a se esfregar em mim quando mamãe, em sua frustração de-dona-de-casa-que-largou-um-futuro-quem-sabe-brilhante-para-ter-vocês-olha-como-devem-ser-gratos, resolvia fazer algum supletivo à noite, ou cursos de costura-pintura-em-vitral-tapeçaria em Madureira, e decidia que a menina já tinha idade suficiente para-tomar-conta-dos-seus-irmãos.

Eu já tinha alguma consciência de que aquilo era errado e morria de culpa e achava que iria para o inferno.

Então, resumidamente, a minha vida era assim:

"Fala direito! Fala que nem homem!"

"O filho dele tem sua idade, é muito macho. Vê lá como você vai se comportar."

"Ai, ai, bichinha!"

"Ele é muito estranho, né? Tem um jeitinho."

"Você tem que falar direito. Como homem. Parar de nos envergonhar."

Então comecei a prestar atenção aos homens que eu tinha por perto: pai, irmão, tios, vizinhos. Eles berravam por causa de futebol e eu não entendia o porquê daquilo. Nem eles. Eles mijavam na rua e achavam que era certo. Alguns fediam. Quase todos os adultos bebiam e fazia vergonha, escândalo, violências.

Acho que foi aí que comecei a sentir algum orgulho de ser "meio estranho". Eles estavam errados. De alguma forma, eu era melhor.

E eu lia: contos de fadas, Série Vaga lume, X-men, e por aí vai. Muita gente injustiçada lutando pelo seu lugar no mundo.

Quando me questionei sobre o porquê de ter aquela vaga aberta para eu poder funcionar, a analista questionou:

"Será que você não buscava se manter nesse lugar de vítima que te dava tanto prazer?"

"Sim", respondi. Parece que não sabia ou não sei viver diferente.


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Um pouquinho de comida para um miserável

A casa dele ficava num prédio escondido nos fundos de um restaurante vegetariano chiquérrimo da rua 19 de Fevereiro, a mesma de uma sauna que eu frequentava com certa regularidade na época em que morava com meus pais. Segurei a vontade de comentar sobre isso, afinal, não é o tipo de informação que se difunda sobre si mesmo, assim como os encontros de internet. Afinal, parece um submundo de orgia e promiscuidade. E é, enfim.

Sou sempre muito atento a imóveis, em especial aos que se localizam na Zona Sul, e aquele parecia um achado: quarto e sala de cobertura num edifício de 4 pavimentos com somente um apartamento por andar. a sala não tinha sofá: somente uns dois fouttons negros, um revisteiro com fotografias de paisagens da cidade aparentemente tiradas por ele e edições de moda, uma mesa de vidro de escritório, um breu vermelho. Tudo isso sobre um piso laminado imitando madeira clara. Ele acendeu a luz, que era amarela. Lembro disso porque em seguida disse:

"Não gosto daquelas luzes econômicos. Tudo fica feio com elas."

E até hoje, quando entro em algum ambiente cuja claridade seja fluorescente, concordo: ele sempre foi bom em criar uma bela apresentação. E a beleza sempre me impressionou e me atraiu. Talvez porque eu achasse que não a tinha comigo numa menos-valia doida. Isso sempre me impediu de ver além, de observar mais a fundo. Logo eu, que justamente me especializei em ver além do que se está escrito, caí na armadilha das aparências.

Mas por que me justifico?

Por que preciso entender. Para alguma serviu esse encontro e essa história. Outro dia, pensei que a vaga dele estava aberta. Seria preenchida por qualquer um que atendesse aos requisitos necessários, assim como uma escola não funciona sem professores, um consultório sem médicos ou uma loja sem vendedores. Eu não funcionava sem alguém como ele. E houve outros.

Em algum momento, colocou algum disco (de vinil) super diferente. Não sei se da Nina Simone, da Marina (anos 80) ou do Lobão (também anos 80). Acendeu um e fumamos juntos. De repente nos beijávamos e transávamos.

Quando acabou, entrei no piloto-automático dos encontros de sexo pela internet: pedi licença para tomar um banho, vesti-me e bati um leve papo superficial antes de ir embora, quando ele me disse:

"Uma amiga está vendo aqui, acabou de ligar. Não vá ainda."

A moça chegou, acho que levava alguma encomenda de baseado para ele. A gente começou a conversar. Ela era amiga em comum do seu ex. Eles falavam disso, de um tempo juntos, da casa de Cabo Frio que ela deixaria pra trás e que lhe trazia memórias:

"Era muito legal quando a galera toda se reunia lá."

Confesso que estava olhando para os dois, meio por fora do papo e pensando num jeito de sair dali sem ser mal educado, apesar de achar que eles é que eram, já que conversavam sobre um assunto do qual não poderia participar. Foi quando ele colocou as pernas sobre as minhas na frente dela.

Não entendi o motivo daquilo, mas acho que foi aí que tudo começou. Um gesto tolo desses para uma pessoa carente como eu era (ou ainda sou) poderia significar tanta coisa... Ele poderia simplesmente querer que ela visse que o fim do namoro estava superado; ele podia simplesmente estar procurando algum lugar para descansar as pernas e as minhas pareciam a solução; ele poderia querer tanta coisa, além do que entendi naquele momento com minha desvalia:

"Ele fez carinho em mim na frente de outra pessoa!"

E foi então que, hoje entendo, naquele momento me dei conta daquela fome que sentia e que nem sabia direito que estava ali:

Uma fome desesperada de amor e carinho.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A primeira vez que encontrei o Paulo não é motivo de orgulho. Era um encontro para realização de atividades sexuais com um desconhecido com quem conversei em um chat da internet. Não é por mim que digo que não foi motivo de orgulho, que reconheço a dificuldade de se encontrar parceiros sexuais e afetivos do mesmo sexo nas situações corriqueiras do cotidiano ainda mais quando não se tem muito dinheiro no bolso (boites, saunas, clubes, praias), mas pelas pessoas em geral, que nunca falam abertamente sobre isso. O próprio Paulo, assim que começamos a conhecer os amigos um do outro, uma vez pediu:

"Não fala que nos conhecemos na internet. Diz que foi correndo no Aterro."

Meio distraído perguntei o porquê daquilo. Após a falta de explicação do meu foco de paixão, entendi a importância daquilo sozinho. Tanto que, quando a Gisela me perguntou onde eu e o Paulo nos conhecemos (fiquei impressionado de aquela ter sido uma das primeiras perguntas dela. Parecia que ele sabia.), respondi do jeito que faço quando estou mentindo: objetivo e curto, sem dar muitas margens para questionamentos sobre detalhes que me fariam entrar em contradição.

"No Aterro."

"Aaaahhh..."

Até hoje me pergunto se a resposta de Gisela significava "Não entendi nada, mas tudo bem: você não quer falar sobre isso", ou "Que bonitinhos. Se conheceram fazendo esportes. Hum, que excitante! (Ela tinha um certo tesão nos amigos casados gays)", ou "Pegação, né?", ou se simplesmente foi "Aaaahhh..." mesmo.

Havia uma verdade nisso. Em vez de eu ir à casa dele ou ele ir à minha logo de cara, Paulo queria um local público. A gente se falava há uns dois dias. Até que ele veio com a ideia do Aterro.

Cheguei lá na hora marcada. Naquela época eu mantinha uma rotina de exercícios de musculação e de natação quase como se fosse algo religioso, por isso, devia estar muito atraente. Fui com roupa de academia. Como ela era uma espécie de Igreja, marquei o encontro para depois da malhação. Ele chegou na hora marcada. De cara, me assustei com as marcas de vitiligo no rosto. Ele tinha uma voz grossa e os movimentos travados. Um jeito estranho no braço longo e meio flácido. Não desenvolvia muito as respostas, meio escorregadio. Eu não refletia muito sobre essas características, apesar de recebê-las.
Queria mesmo era ver se rolava. Eu vivia pensando em sexo. Estava encantado na facilidade de fazê-lo na Zona Sul do Rio. Era como se, depois de ter passado fome, eu tivesse todos os dias um banquete de iguarias à minha disposição todos os dias.

Caminhamos, caminhamos e conversamos, conversamos sobre coisas das quais não me lembro exatamente (estava muito preocupado em dizer a coisa certa do jeito mais atraente para conseguir foder):

Eu: "Moro com amigo e a gente divide tudo, mas somos somente amigos."

Ele: "Moro num quarto e sala com uma atriz, mas ela nunca está em casa e enrola para pagar."

Eu: "Sou professor, ganho mal, mas adoro o que faço."

Ele: "Sou fotógrafo, mas tá foda conseguir trabalho no Rio. Quero muito continuar morando aqui, mas acho que não vai dar."

Eu: "Faz muito tempo que não namoro."

Ele: "Terminei um namoro agora."

Eu: "Vocês ainda são amigos?"

Ele: "Não, mas ele é um cara muito maneiro. Quero manter a amizade. Você é gostoso."

Olhei melhor para ele. Parecia uma criança desamparada cheia de manchinhas. Fiquei excitado.

Eu: "Curti também."

Ele: "Moro aqui perto. A fim de dar uma passada lá. A Chris com certeza não está."

Eu: "Vamos."

(Quem sabe um dia continuo...)

domingo, 15 de janeiro de 2012

Que semana punk

A casa foi dedetizada e os cães começaram a ter reações de intoxicação. Dei um antitóxico, liguei para todos os veterinários que conheço,aquela loucura. Por fim, depois de medicados, decidi que seria melhor afastá-los daqui até segunda à noite, ou seja, depois da faxina da Tereza.

E de repente me vi sozinho aqui com o papagaio, que está bem.

Que sensação estranha.

Tudo começou quando Miró apareceu com a doença do carrapato. Eu já tinha visto alguns aqui pela casa e esperei dar os dois dias de banho para poder colocar neles todos o Frontline (carrapaticida que aplico nos cães), conforme a bula manda. Mas, mesmo assim, as criaturas nojentas continuavam pela casa. Olívia começou a ficar estranha e entrou na medicação também.

Nessa história, perdi uma semana e muita grana.

Além disso, tem a tristeza que venho sentindo desde que me despedi da minha paixão de verão. Aquela carência chata intensificada pela ausência dos amigos, pelos melodramas familiares, pela sensação de solidão.

Alexandre veio aqui três vezes nesta semana-punk. Apesar do sexo bom, em todas elas me perguntei se deveria manter nossa história. Afinal, o papo de "só trepamos e somos felizes" não é real.

E acho que no fundo estou a fim mesmo é de curtir essa leve dor de perda de amor que sinto por uma relação que só durou três encontros. Afinal, é triste, mas não chega àquele sofrimento terrível. Nem dá.

Também pode ser o lance que cada dia percebo mais em mim: sou monogâmico. Não há qualquer questão moral nisso. Simplesmente não tenho vontade de ficar com outras pessoas quando me sinto apaixonado e correspondido.

Essa, na verdade, foi a minha primeira grande decepção com meu ex. Ele não queria exclusividade.

No réveillon, conheci a esposa de um amigo meu. Eles têm um casamento aberto e troquei confidências com ela sobre isso. Disse que a primeira vez que vi meu ex beijando outro senti uma tristeza tão forte que chorei a ponto de perder as lentes de contato.

Ela me disse: "Isso é muita novela que você vê!"

Será?

Acho que não. Gosto de simplicidade, de segurança, tranquilidade, paz. Monogamia sincera traz isso. Era tudo o que eu não tinha...

Mas isso é uma outra história.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A gente teclava desde a época em que eu morava em Laranjeiras. Estava então muito deslumbrado em morar sozinho, vivendo uma atividade sexual intensa. Além disso, acho que vivia o auge da minha desorientação. Dava muitas cabeçadas, quase inteiramente destinado a me foder.

E me fodi, não é?

Desde que me estrepei feio, que vinha me sentindo meio morto-vivo. Tinha encontros, claro, mas parecia meio frio para qualquer pessoa. O mais próximo de algum envolvimento é o Alexandre, de quem sempre falo aqui.

Até que um dia ele apareceu novamente no MSN. Reconheci na hora, mas fiquei naquele papinho "Oi, de onde tecla?" para sondar o terreno. Ele fez o mesmo. Até que disse que me lembrava dele, da época e tudo mais. Nunca entendi por que nunca nos encontramos de verdade. Ele disse o mesmo.

"Estou morando em Londres e vou ao Rio de férias. Quero dessa vez te encontrar de verdade."

E rolou essa coisa meio mágica que até agora me pego devaneando sobre.

No nosso terceiro encontro, que também era despedida, não dormimos juntos. Depois de um almoço com amigos dele, entramos em algum bar gay-fuleiro-de-videoquê-vazio-da-Lapa para nos beijarmos sem medo de porrada de homofóbicos. Depois subimos Santa Teresa. Ele queria rever o bairro. Bebemos no bar do Arnaudo, tomamos feijão amigo, conversamos, conversamos, conversamos, conversamos.

Paramos de ter medo e simplesmente nos beijamos em pleno Largo dos Guimarães. Quem se incomodasse que se fodesse.

Descemos até a Glória a pé conversando, conversando, conversando.

Enquanto eu demonstrava meu fascínio pelos prédios antigos, pelas vistas surpreendentes da Baía de Guanabara que apareciam entre uma curva ou outra, ou quando falava dos lugares que conhecia, ele disse, impressionado:

"Você é apaixonado pelo Rio de Janeiro que nem eu!"

E nos beijamos em plena ladeira, em plena madrugada.

Quando comemos na padaria 24h um lanche bem podreira, não me dei conta de que passava meus últimos minutos com ele. Fomos ao Banco 24h da rua das Laranjeiras para eu tirar dinheiro para voltar de táxi. Miró estava passando mal e valia a pena chegar logo em casa.

Então ele olhou no meu olho e disse.

"Então é aqui que nos despedimos. Vê se te cuida. Me escreve."

E me deu um selinho em plena rua das Laranjeiras. Entrou no táxi e fiquei meio atônito olhando-o ir.

Mais uma vez percebi que estou vivo.

Estou vivo.

Estou vivo.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Quando a Fernanda leu o último post, ela riu e disse que eu não deveria me sentir especial por ficar tão inseguro quando apaixonado, pois isso acontece com todas as pessoas. Super normal.

"Você faz a linha problemático em cima da coisa mais comum do mundo!"

De qualquer forma, eu antigamente pirava, pois era muito inseguro e carente. Dessa vez, estava com uma dorzinha de cotovelo, mas naquela linha de equilíbrio sem ficar forçando barra para nada.

Até que depois de uma meia hora, recebo uma mensagem no Facebook do JF pedindo desculpas pelo sumiço, justificando que não resistia aos dias de praia que estavam fazendo e perdia a hora para qualquer coisa comigo depois. Convidava-me para tomar uns drinks na sexta-feira.

Eu sou um carente em tratamento, mas não deu pra evitar a felicidade. Toda a amargura do último post passou e lá fui eu, no dia seguinte, mesmo debaixo de chuva, encontrá-lo na Farme.

:)

E foi novamente um encontro diferente. Muito papo, muita caminhada, muita coisa engraçada, muito beijo, muito tesão. A gente entrou numa balada de música eletrônica e depois passou a noite junto.

E dessa vez, não tive travação. Logo falei muito sério:

"Como é que faço pra te ver de novo antes de tua partida para Londres?"

E a gente já marcou o encontro seguinte.

Tenho um amor de verão. Cafona, mas verdade. Sinto-me vivo novamente: é possível me apaixonar mais uma vez. E o melhor é a reciprocidade que rola. Outro dia, ele me escreveu:

"Tu é gostoso e ainda gosta do Caio. Muito raro."

Estou felizão.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Então tá que pensei que estivesse curado do meu jeito de me apaixonar entrando numa de fantasiar que sou pouco interessante, de ficar fuçando na vida alheia e de ficar naquela dor de cotovelo triste.

Não estou, né?

Saí com um carinha muito interessante. Difícil combinação entre físico atraente e mente inteligente. Na minha experiência vasta de relações, ou o cara é bonito e transa bem, mas não é lá aquela pessoa com quem se quer passar alguns dias trocando ideias; ou o cara é o máximo de antenado e bonito, mas trepa mal e ainda termina a noite dizendo que aquela experiência cansativa foi o máximo; ou é bonito, mas nem transa nem conversa bem; etc. etc.

Mas, peraí? Eu desenvolvi esse raciocínio talvez num delírio de idealização em que eu afirmaria que o carinha por quem sinto uma leve dor de cotovelo era lindo, inteligentíssimo e a melhor transa do mundo! Isso não é real! Ele era bonitinho, muito inteligente, sim, mas uma transa normalzinha. Sem graça.

Por que sofrer por isso não ter ido pra frente? Até quando vou ficar curtindo paixão por caras que nem são tão legais assim? Ou pelo menos não tão legais quanto eu, pelo menos. Sem metidez ou falsa modéstia, mas sou bonitão, inteligente e mando bem na cama. Acho que esses três requisitos não são pouca coisa a se exigir do próximo candidato a: homem da minha vida.

De qualquer forma, é bom sair daquela inércia. Até paixõezinhas bobas voltei a ter. Acho que finalmente estou curado da minha separação. Fazia anos que não me sentia assim.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Em uma festa de réveillon, um bando de amigos que há muito não se viam reunidos. Som. Espumante, cerveja, uns bons drink. Alguns levaram seus filhos. Outros, os novos companheiros. Um deles, levou os dois (no caso, as duas: filha e companheira, caso tenha ficado ambíguo).

Em algum momento, a gente começa a dançar. O som é trash. Talvez por isso tenha sido tão divertido.

Em um fim de festa, percebo que fazia tempo que não sentia tanta alegria. Não ficava tão à vontade.

Em uma rua de Niterói, no primeiro amanhecer de 2012, lembrei que minha analista certa vez chamou atenção para o fato de minhas relações serem tão restritas. Enumero: Os Fernandos, alunos, Mônica, Alexandre. A maior parte dessa lista tem relação com trabalho. A que sobra é uma foda-fixa controversa no meu íntimo (Afinal, devo ou não permanecer com ele?). Com todos, fico à vontade, mas preciso de mais gente com quem possa ficar assim.

Em um trajeto de três horas de volta para casa, eu só queria era chegar logo em casa.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Os sobreviventes ou A Literatura me salvou

Na sexta-feira acordei com o telefonema do meu irmão. Ele chorava: mamãe pirou com a esposa dele e a esbofeteou, além de ter feito muito terror psicológico. Para completar, o casal foi expulso da casa de praia.

Pensei: "Pronto, foi batizada. Entrou pra família, passou pelo primeiro barracão."

Mas a tendência à ironia passou quando ele falou:

"Cara, eles morreram para mim."

Tanta coisa me veio à lembrança, tantas cenas terríveis. As relações perversas e doentias que existem desde que éramos crianças. A quantidade absurda de ciúmes, agressividades, exageros, desrespeitos. A pouca busca por soluções e o caminho sempre trilhado ao conflito.

Conversar com minha mãe só dá certo se ela não for contrariada. Qualquer crítica ou discordância às suas opiniões, o tempo fecha. Chantagens como "Esqueça que sou sua mãe!" ou chantagens do tipo "Saiba que quando você precisar, se você estiver numa situação muito difícil, estarei sempre aqui, ao contrário de você." são perfeitamente possíveis e aceitáveis em sua ética de relações. E, mesmo sendo vítima tanto quanto os filhos, meu pai, quando não é o alvo, fica sempre ao lado dela. Contra os outros.

E é asim que vivemos. Ou que eles vivem, porque acho que consegui dar o fora da maluquce: Uns contra os outros.

A minha cunhada está mal, tem pesadelos. Fico pensando que somos sobreviventes mesmo. Afinal, levávamos os tapas, éramos xingados, humilhados, maltratados, mas dependíamos deles. Tínhamos que ficar lá. Não havia para onde ir.

Aí eu lembro da minha relação com meu ex. As brigas, o vínculo difícil de se desfazer apesar dos maus tratos mútuos. Paradoxalmente, estava numa zona de conforto. Sempre vivi assim.

Acho que dá pra entender por que gosto tanto de viver com os cães. Sinto uma paz, um alívio, uma segurança... Vou exercitando com eles enquanto não consigo ter ou oferecer isso a outros seres humanos.

E toda vez que vejo alguém supervalorizando as famílias eu penso que isso está errado. Dentro de uma casa, os pais têm poderes muito grandes sobre seus filhos e isso não está certo. Recebi cuidados, estudo, alimentação e acesso à saúde, é verdade, mas também vivi muitas torturas e crueldades psicológicas, além de agressões físicas injustificadas. E aí? O que faço com isso? Como consigo ser feliz assim? Reproduzindo quem eles são? E se eu não tivesse como fazer análise?

Cada vez mais acho que, como um náufrago se segura em qualquer coisa que o mantenha na superfície para escapar da morte, agarrei tudo o que eu poderia ler para escapar daquele ambiente hostil que era minha casa. A Literatura me salvou. Tenho certeza disso.

domingo, 1 de janeiro de 2012


– Meu filho, você nem lembra que a gente existe?

– Posso dizer o mesmo, não é, pai?

(Fiquei sozinho em casa no Natal.Todos viajaram. No fundo, até gostei.)

– E como você está aí?

– Bem, tudo certo.

– Fala aqui com sua mãe.

– Beijo, pai.

– Então quer dizer que você está com mais um cachorro, meu filho?

– Não, tem uma cadela que resgatei da rua e que está aqui até eu encontrar um dono, mãe.

– E ela está dormindo lá fora, né?

– Não, dorme dentro, como todos os outros.

– Meu filho... Quatro cachorros em casa. Arrumou mais um!

– Mãe, não estou entendendo. Não te expliquei que é por um tempo até encontrar um dono para ela? A cadela estava morrendo quase na porta da minha casa e eu não iria fazer nada?!

– Então você está tendo muitos gastos, né? Muito dinheiro gastando.

– Eu nem estou pensando nisso, mãe.

– Eu vi na Ana Maria Braga o que aquela mulher fez com o cachorrinho. Um absurdo!

– Você vê todos os dias um monte de cachorros largados na rua e não fica indignada.

– Eu quero um pastor alemão para proteger aqui a casa. Como ele poderia proteger se dormisse dentro?

– Cada um é do seu jeito, né, mãe?

– Meu filho, por que tanto cachorro?

– Ai, por que eu gosto mais de bicho do que de gente, mãe!

– Mas isso não tá certo!

– Estou feliz assim.

– Mas, então, o que você vai fazer no reveillón?

– Vou a Niterói. Quero ir, sabe. Uns amigos estão organizando a festa e a Renata vem lá do Pará. Quero vê-la.

– Eu gostei dessa Renata. Ela e seu irmão namoraram, né?

– Não foi bem um namoro. Ela estava indo embora terra dela, ele tinha acabado de levar um fora da Tatiana, ficaram uma vez só. Nada sério.

– Mas essa menina é trabalhadora, né?

– É, mãe, ela não conseguiu se firmar como jornalista aqui no Rio e decidiu voltar pra casa. Os pais têm negócios, está trabalhando com eles e fazendo Direito.

– Ia ser bom se seu irmão tivesse ficado com ela.

(A esposa do meu irmão estava hospedada na casa de praia dos meus pais enquanto essa conversa acontecia.)

– Ah, acho que nem passou pela cabeça dos dois isso. Bom, mãe, deixa eu ir lá. Feliz Natal.

– Feliz Natal, meu filho.