domingo, 5 de junho de 2005

Pirando

A dissertação anda a passos lentos e eu fico pensando que:

. Emocionalmente, não estou num dos meus melhores momentos;

. Nessa semana, a carga de trabalho vai aumentar consideravelmente: mais duas manhãs cheias de crianças entupidas de hormônios, de planejamentos, de correções e de pais reclamando;

. Minha coluna está doendo. Muito;

. Estou ansioso demais com tudo, o coração acelera de vez em quando;

. Preciso de carinho urgente. Um abraço serve (claro que o sonho de consumo é uma massagem nas costas!);

Quer saber? Eu quero a minha vida de volta, pra espairecer quando preciso: encher a cara de vez em quando, dançar sozinho a noite inteira de olhos fechados, andar à toa na rua mirando as caras das pessoas, ficar jogando tempo fora na net sem me sentir culpado, visitar os amigos.

Nada muito sofisticado. Fico feliz com coisas simples.

Junho promete ser um mês pródigo em estresses, noites mal-dormidas e solidão.

MALDITO JUNHO! ODEIO-TE!

Mas o oásis do recesso de julho está por aí e eu seguro nessa bóia para não me afogar:

Ergui a cabeça para as manchas cada vez mais douradas do crepúsculo, e foi nesse momento que a vi, incendiada de prata, um pouco acima da faixa violeta sobre os edifícios mais altos, a primeira estrela, devia ser Vênus, Primeira estrela que vejo, lembrei, realiza meu desejo, pulávamos amarelinha riscada com pedaços de tijolo pelas calçadas do Passo da Guanxuma, eu sempre queimava o limite do céu na hora de dar o grito de costas, num salto, olhos fechados, sete vezes repetir, olhos abertos presos na estrela até fazer o último pedido, depois não olhar mais para cima. Parado entre quatro esquinas, a primeira estrela à minha esquerda, o arco-íris, à direita, de frente para a cidade, de costas para o parque, respirei fundo o ar lavado pela chuva e pedi. Pedi sete vezes em voz alta, não havia ninguém por perto para olhar e talvez rir, um homem não muito jovem, todo molhado, falando sozinho, pedindo não sabia o quê.

Força e fé, que eu tinha perdido, eu pedi.


(ABREU, Caio Fernando. Onde andará Dulce Veiga?: um romance b.2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das letras, 1997. p. 36.)

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