segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Os sobreviventes ou A Literatura me salvou

Na sexta-feira acordei com o telefonema do meu irmão. Ele chorava: mamãe pirou com a esposa dele e a esbofeteou, além de ter feito muito terror psicológico. Para completar, o casal foi expulso da casa de praia.

Pensei: "Pronto, foi batizada. Entrou pra família, passou pelo primeiro barracão."

Mas a tendência à ironia passou quando ele falou:

"Cara, eles morreram para mim."

Tanta coisa me veio à lembrança, tantas cenas terríveis. As relações perversas e doentias que existem desde que éramos crianças. A quantidade absurda de ciúmes, agressividades, exageros, desrespeitos. A pouca busca por soluções e o caminho sempre trilhado ao conflito.

Conversar com minha mãe só dá certo se ela não for contrariada. Qualquer crítica ou discordância às suas opiniões, o tempo fecha. Chantagens como "Esqueça que sou sua mãe!" ou chantagens do tipo "Saiba que quando você precisar, se você estiver numa situação muito difícil, estarei sempre aqui, ao contrário de você." são perfeitamente possíveis e aceitáveis em sua ética de relações. E, mesmo sendo vítima tanto quanto os filhos, meu pai, quando não é o alvo, fica sempre ao lado dela. Contra os outros.

E é asim que vivemos. Ou que eles vivem, porque acho que consegui dar o fora da maluquce: Uns contra os outros.

A minha cunhada está mal, tem pesadelos. Fico pensando que somos sobreviventes mesmo. Afinal, levávamos os tapas, éramos xingados, humilhados, maltratados, mas dependíamos deles. Tínhamos que ficar lá. Não havia para onde ir.

Aí eu lembro da minha relação com meu ex. As brigas, o vínculo difícil de se desfazer apesar dos maus tratos mútuos. Paradoxalmente, estava numa zona de conforto. Sempre vivi assim.

Acho que dá pra entender por que gosto tanto de viver com os cães. Sinto uma paz, um alívio, uma segurança... Vou exercitando com eles enquanto não consigo ter ou oferecer isso a outros seres humanos.

E toda vez que vejo alguém supervalorizando as famílias eu penso que isso está errado. Dentro de uma casa, os pais têm poderes muito grandes sobre seus filhos e isso não está certo. Recebi cuidados, estudo, alimentação e acesso à saúde, é verdade, mas também vivi muitas torturas e crueldades psicológicas, além de agressões físicas injustificadas. E aí? O que faço com isso? Como consigo ser feliz assim? Reproduzindo quem eles são? E se eu não tivesse como fazer análise?

Cada vez mais acho que, como um náufrago se segura em qualquer coisa que o mantenha na superfície para escapar da morte, agarrei tudo o que eu poderia ler para escapar daquele ambiente hostil que era minha casa. A Literatura me salvou. Tenho certeza disso.

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