terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Quando eu era criança, houve épocas em que não queria ir à escola. O ano era 1990. Papai tinha voltado de uma viagem de 9 meses aos Estados Unidos. O apartamento era um ambiente horrível: meus pais viviam brigando, íamos de 15 em 15 dias para a construção da casa de praia, mamãe torturava psicologicamente todos os dias minha irmã, que, na escola, fazia coisas absolutamente destrutivas. Fui também estudar em Campo Grande porque "tinha que vigiá-la".

Eu mal conseguia dar conta de mim. E, se o que a mais velha de nós queria era a atenção de alguém naquele espaço de ensino, não conseguia. Ninguém dava bola para ela. Nem para mim.

Eu acho que foi a época em que mais sofri bullying na vida e a minha resposta era o isolamento. Às vezes conversava com algum desconhecido no ônibus. Poderia ser um velho, uma mulher adulta, outro adolescente. Ficava curtindo o prazer de me comunicar com alguém. Algo meio raro porque as pessoas que conviviam comigo sempre, em algum momento, agiriam de maneira hostil. Mesmo tendo aprendido a esperar por isso, eu me surpreendia.

Em alguns fins de semana, a gente tinha que ir a uns churrascos de uns amigos de Marinha do meu pai. Eu odiava. Era um pessoal agressivo, que enchia a cara de cerveja, ouvia somente Roberta Miranda e às vezes fazia comentários homofóbicos para mim. Meus pais nunca me defendiam. Pelo contrário, normalmente faziam alguma cena em casa para dizer o quanto eu era a vergonha deles ou algo assim. Isso, claro, depois de haver alguma discussão sobre quem deveria dirigir o carro, pois o meu progenitor, mesmo trocando as pernas, insistia que tinha condições de guiar.

Acho que não tinha muita consciência da merda em que viva. Sofria, mas estava sempre disposto a viver bons momentos. De repente, comecei a perceber que a distância de casa me proporcionava uma certa liberdade, então vagava por aquele bairro estranho. Voltava sempre sozinho das aulas e até gostava. Todo dia visitava lojas de discos, comprava biscoito a quilo numa loja chamada Sugared, ouvia fitas no walkman americano que tinha ganhado. Comecei a gostar de Madonna.

Minha irmã costumava assaltar a carteira de papai e uma vez me deu uma revista inteirinha de letras traduzidas da cantora. Para onde eu ia, levava comigo aquilo.

O fim do ano letivo foi triste. Fiquei reprovado em absolutamente todas as disciplinas. Não me importei. Eu achava que iria virar feirante. A minha mãe me ameaçava disso, quando via minhas notas. Uma vez fui chorando dizer que era para ela me levar mesmo para um lugar desses, que eu ia largar a escola e trabalhar vendendo legumes e frutas por aí. Ficou me olhando atônita e nada disse.

Não tinha muitas esperanças de ter uma vida boa. Trabalhar, ser inteligente, algo assim. Devaneava com carros, apartamentos de luxo de novelas, vida de rico.

Eu queria ter uma máquina do tempo. Chegar lá e me encontrar. Iria me convidar para tomar um sorvete, dar uma volta na praia. Ouviria com interesse o que o menino de 11 anos que fui dissesse. Ajudaria nos deveres de casa, daria conselhos, diria o quanto eu poderia ser bom, que tudo passaria um dia. Fazer comigo mesmo bem o que proporcionei àquela cadela que peguei na rua e que agora dorme no chão, ao meu lado. Mas isso é impossível.

Só não me esqueço. Só choro ao lembrar. Só repito todos os dias, em todos os momentos que tenho valor. Só me esforço para realmente acreditar nisso.

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